Foi assinalado na passada quinta feira, dia 4, o Dia Europeu da Igualdade Salarial, data a partir da qual, simbolicamente, o trabalho das mulheres deixa de ser remunerado até ao último dia do ano. A diferença salarial em função do género (há outras desigualdades no trabalho), ou seja, por discriminação das mulheres, corresponde neste ano a 58 dias. Dito de outra forma, as mulheres trabalhadoras, da globalidade dos Estados-Membros da União Europeia, auferem retribuições 16% inferiores às dos homens. E tudo o que representa a dupla jornada de trabalho feminina agravaria este cenário.
Em Portugal, aquela diferença salarial será idêntica considerando o ganho mensal médio e não só a remuneração mensal base. Interroguemo-nos, então, sobre três questões relevantes. O que entendemos por princípio da igualdade? Porque persiste esta diferenciação salarial? Alguma melhoria estatística, registada nos últimos anos, em que realidades assenta?
Não raras vezes ouvimos dizer que quem defende sem rodeios a igualdade, nega as diferenças: que não dá espaço “aos mais capazes” e “aos que mais se empenham”, que impede a valorização do “mérito”, do “talento”, da “excelência”. O Professor de Direito do Trabalho, Jorge Leite, utilizava, amiúde, uma ideia base que desmonta essa subversão argumentativa: “Com o princípio da igualdade pretende-se que seja tratado de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é desigual, na proporção da respetiva diferença”.
Às mulheres não falta capacidade, empenho, mérito ou talento. Elas são discriminadas nos salários - apenas uma das discriminações que sofrem - porque não são tidas em conta as diferenças nas condições em que surgem no mercado de trabalho. Como disse Jorge Leite, numa conferência promovida pela CITE em 2004, “enquanto os empregos pior remunerados continuarem a apresentar altas taxas de feminização (discriminação horizontal) e o acesso a lugares de direção tender a privilegiar os homens (discriminação vertical)” não haverá igualdade salarial e muito menos igualdade plena.
Numa grande parte da sua vida ativa, as mulheres ou são Mães trabalhadoras com direitos ou são “assíduas”, e a fraca assiduidade paga-se bem caro. Ou priorizam a conciliação entre a vida profissional e a familiar, ou se focam em absoluto na carreira abdicando de ter filhos e de organizar família.
Se consultarmos os 4 Barómetros das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens, elaborados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, com os dados disponíveis entre 2017 e 2020, constatamos uma ténue redução das diferenças salariais, muito provavelmente por duas causas que convergem: i) tem aumentado significativamente o Salário Mínimo Nacional havendo mais mulheres a usufruir dele, porque estão em atividades de salários baixos; ii) a frágil contratação coletiva e a persistência de um baixo perfil da economia não têm permitido crescimento generalizado dos salários. Os dados estatísticos merecem, pois, leitura cuidada.
As práticas das empresas e serviços públicos para a definição de perfis socioprofissionais, de categorias e de funções ou de requisitos de qualificações, geram um emaranhado de armadilhas que alimentam as discriminações. Historicamente, a contratação coletiva foi o instrumento mais eficaz no bloqueio a essas armadilhas, no combate às desigualdades, na melhoria da distribuição da riqueza produzida. Se não a recuperarmos, as desigualdades acentuar-se-ão.