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28-10-2022        A Tarde [BR]

Em artigo para revista Contemporânea (2011), Judith Butler questionava qual a relevância das humanidades em tempos assolados pela barbárie e pelas contradições estruturais do capital? A priori, parecia pergunta retórica, pois sabemos que cabem às humanidades espairecer as incongruências de democracias liberais e explicar o Tempo Presente. Entretanto, por falta de certeza histórica e com base na reflexão dialética, a filósofa indaga sobre os princípios que norteiam a estrutura do discurso - quem fala, quais vozes e qual a finalidade da linguagem empregada – e que não são utilizados para sabotar a narrativa per si ou por ação irresponsável de seus opositores.

O objetivo da análise era perscrutar a relação menosprezo e dificuldade das humanidades em esclarecer/contrapor os fundamentos do discurso do ódio que engendram ações de extrema violência e entulham os meios de comunicação diariamente. A abordagem ainda desperta interesse porque considera que a linguagem pode camuflar as reais intenções do poder. O que em Walter Benjamin – referencial teórico de Butler - entende-se como o paradoxo do poder/violência manifesto na compreensão das normas aplicadas para controle social. Para a filósofa, o que está no centro do debate é a nossa capacidade de indignação ética com respeito ao Outro e em nome deste Outro que se encontra na iminência da exclusão, da perpétua inumanidade.

Se o processo de reprodução social é limitado - o que resulta em crises globais de pobreza, fome, desemprego, decrescimento e insolvência de Estados Nacionais – concluímos que não é com a insana projeção de guerra civil permanente que iremos resgatar nossa humanidade. No artigo em exame, Butler utiliza a conflagração no Iraque como alegoria para desnudar a violência perpetrada em nome da irracional lógica da rentabilidade. “Na campanha inicial da guerra, o governo dos Estados Unidos estava a produzir um espetáculo visual que entorpece os sentidos e, como o próprio sublime, anula a capacidade de pensar” (p. 30) e de agir. Já em 2022, podemos somar a esse torpor as sequelas da Covid 19 e o furor da guerra Ucrânia/Rússia – que tem contornos de debacle atômico mundial.

Se para Butler as humanidades resgatam a experiência de vulnerabilidade e de dependência que torna vital o consenso ético de “fazer retornar ao humano aonde não esperamos encontrá-lo, em sua fragilidade e nos limites de sua capacidade de fazer sentido” (p. 32). Será que, tal como Aquiles, herói da Ilíada, deveremos passar pelas mais profundas camadas da bestialidade para reconhecermos na dor do Outro a precariedade da nossa própria vida que está a chegar ao fim? Talvez pensar que EU sou também o OUTRO seja uma possibilidade.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
temas
precariedade    capital    humanidades