A editora Boitempo acaba de lançar o número 39 da Revista Margem Esquerda. Com ênfase na temática da guerra, o evento foi o mote para veicular uma aula-palestra com o filósofo Paulo Arantes sobre a belicosa eleição presidencial no Brasil (ver na TV Boitempo).
O professor aposentado da USP destrinchou os bastidores do pleito à luz da história e da ilusão do desenvolvimento nacional para buscar compreender as contradições presentes no dialético embate entre a direita (conservadores) e a esquerda (progressistas) que reforçam a narrativa de guerra civil permanente que nos encontramos. Para tanto, resgatou a tese principal do livro “O vampiro da razão: um ensaio de filosofia da história”, do filósofo Richard Blackburn (1992), para elucidar o porque da polarização entre o “nós e os outros” determina a cadência violenta das propagandas eleitorais.
Blackburn apresenta uma análise pouco convencional para desvelar nossa realidade. Ao não compactuar que a luta de classes é, neste momento histórico, o motor principal da evolução; propõe explorar o paradoxo da criação/destruição subjacente da história humana para entender a relação do aumento da barbárie/debacle do capital. Em outras palavras, depreender que essa entropia (leia-se desordem sistêmica) pode engendrar a cooperação entre os desiguais e a criação de outro mundo necessário para garantir a sobrevivência da humanidade.
Essa abordagem me fez lembrar de outro livro fundamental para compreender a atual situação política-econômica brasileira em contexto geopolítico. Publicado no mesmo ano, “O Colapso da Modernização”, do ensaísta alemão Robert Kurz, lança uma tese ousada para afirmar que “a versão última do antagonismo não será dada pelo enfrentamento entre burguesia e proletariado, mas pela dinâmica destrutiva e excludente do fetichismo do capital, cuja carreira absurda em meio aos desabamentos sociais que vai provocando pode ser acompanhada diariamente pelos jornais”.
Portanto, se nesta guerra civil constante o que está em jogo é a recomposição e a preservação da vida, não das mercadorias-gentes ou das não pessoas-sociais, distanciarmo-nos da realidade histórica do fetichismo será nossa total submissão à barbárie.
Em tempos de guerra eleitoral, negligenciar o alerta da História é renunciar nossa capacidade crítica de compreender a finitude do Mundo. Afinal, sob os escombros das campanhas presidenciais e lides estaduais, além do estado de exceção que se tornou regra: “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Isto se o caminho for evolutivo e em harmonia com o humanitismo, como diria um profundo conhecedor da iniquidade brasileira. Não é Quincas Borba?