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20-10-2022        Público

Os termos da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2023 estão razoavelmente definidos e têm povoado o debate. Entre eles contam-se os referenciais do cenário macroeconómico: crescimento, embora fraco, inflação de 4% em 2023 e de 2% nos anos seguintes, abrandamento das exportações e, principalmente, do consumo, uma certa dinâmica do investimento, manutenção de baixo desemprego. Assim como se contam o acordo assinado com as confederações patronais em matéria de evoluções salariais e de apoios às empresas.

Há duas decisões críticas que antecedem todas estas deliberações: a de “aplanar” o ano perturbador de 2022, não atendendo à inflação em curso, como se o mundo começasse em 1 de janeiro de 2023, e a de assumir aquelas estimativas de inflação sem se saber o que acontecerá se a realidade for diversa. Nisto assentaram os consensos em matéria de evolução salarial. A partir daqui, no exercício de equilíbrios que se compreende que qualquer OE tem de ser, há alguns dados fundamentais. É notório que, corretamente, se pretende proteger melhor os baixos rendimentos e as famílias mais vulneráveis. Isso faz-se através de medidas fiscais, de prestações sociais e dos salários para a função pública. Mas também é igualmente notório, especialmente neste último caso, que se descuidam estratos populacionais inapropriadamente designados “classes médias” e que, na verdade, são assalariados que só o baixo nível da remuneração média permite que se diferenciem positivamente.

É por isto que convém pensar no seguinte: estamos, toda a gente o diz, num contexto de escassez de mão de obra e é muito razoável considerar-se que o ambiente inflacionário será sempre convulso. Assim sendo, em que se transformará o acordo sobre rendimentos, se, em vista disto e tudo somado, os aumentos salariais na economia tenderem afinal para mais de 5%? Transforma-se num acordo de limitação dos salários! Os patrões agradecerão, os trabalhadores não. Lembre-se que, sem qualquer concertação, a remuneração bruta média no fim do primeiro semestre deste ano já tinha aumentado 3,1%, em termos homólogos, segundo o INE. Porque não há no acordo uma cláusula de indexação à inflação efetiva, em vez de só à estimada?

Orçamento do EStado 2023

É isto que justifica uma reflexão final. Há uma relação profunda entre estas deliberações e a democracia, a começar pela democracia económica. Estamos a cuidar bem dela? Quando para um lado fica o incerto e escorregadio e, para o outro, ficam as garantias, há um problema sério, que cedo ou tarde se revelará. Deixar de fora muita gente trará consequências. Depois da degradação da democracia económica, vem a degradação da democracia política. Quando, noutras eras, se chamou democráticos a certos capitalismos europeus foi porque se salvaguardavam estes equilíbrios. Tratava-se com igual cuidado o que se permitia ao capital, e que se julgava útil para o funcionamento saudável da economia, e o que se assegurava ao trabalho, integrando-o com pleno direito e com um lugar digno na lógica que se queria estabelecer. Cuidar destes equilíbrios agora, em vez de os deixar lá para 2025 ou 2026, quando for tarde e algo já tenha caído em cima das nossas cabeças, pode ser um enorme risco. E é seguramente um erro.


 
 
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José Reis



 
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