No “Acordo de Médio Prazo” estabelecido na Concertação Social, peça importante do Orçamento do Estado (OE) para 2023, foi retomado pelo governo o compromisso de “aumentar o peso dossalários no PIB de 45% para 48% até 2026”. Tal meta, a ser cumprida, apenas nos aproximaria da média europeia, mas seria muito importante para o desenvolvimento do país em vários campos. Ora, considerando o baixo perfil de especialização da nossa economia, o vício em se resolverem problemas no setor privado e na Administração Pública (AP) cortando salários, aquele objetivo exige o esforço de uma maratona. Como é que António Costa nos propõe que ela seja feita?
Imaginemos que em 2022 nos encontramos em Lisboa e queremos chegar ao Porto em 2026. António Costa sabe que este ano estamos a caminhar em direção a Setúbal, mas faz de conta que continuamos em Lisboa; para 2023 manda-nos correr em sentido contrário à meta, talvez até Alcácer do Sal; para 2024 sugere-nos que fiquemos a marcar passo ou que marchemos um pouco mais às arrecuas; e depois, em 2025 e 2026, certamente viajando em teletransporte, lá chegaríamos ao Porto.
Este ano, muitas centenas de milhares de trabalhadores, desde logo da AP, vão perder o salário de um mês. Os outros têm perdas significativas, com exceção dos que auferem o SMN. A meta de 5,1% de crescimento dos salários no setor privado é apenas uma intenção: o governo sabe que não há melhoria geral de salários sem contratação coletiva e esta continuará bloqueada. O truque para a AP é dizer que os 5,1% serão formados por um aumento salarial de 3,6%, mais o valor das progressões e o aumento do subsídio de refeição. Então isto não são maus indicadores para os privados?
O OE foi acompanhado por um Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social. É o primeiro relatório, nos 17 anos da sua existência, em que se diz que o Fundo de Estabilização da Segurança Social garante o pagamento das pensões para lá de 2060. O Primeiro Ministro, a Ministra do Trabalho e todos os que andaram a justificar a não atualização das pensões de acordo com a lei, não têm vergonha de terem martelado contas e criado suspeição sobre a Segurança Social?
Nos debates sobre o OE, o Ministro da Economia afirmou que "Infelizmente, vivemos num país que, por motivos ideológicos, hostiliza as empresas, hostiliza os empresários, muitas vezes trata o lucro como um pecado (...) num ataque sistemático contras as grandes empresas”. As suas peias ideológicas é que o impedem de ver que nos processos de privatizações, alguns reivindicavam proteção ao capital nacional e à primeira oportunidade venderam as empresas a estrangeiros.
O Ministro estude a desindustrialização portuguesa. Identifique o rol de benefícios fiscais e outros que estão inscritos no recente Acordo de Concertação e descubra os riscos que os empresários assumiram como contrapartida. Os portugueses não são contra as empresas e os empresários, mas têm direito a melhor distribuição da riqueza, a que as verbas orçamentadas para assegurar direitos fundamentais sejam executadas, a que deixemos de ser um dos países europeus com menor parque habitacional público, menor área florestal pública e floresta sem proteção.
O contexto de guerra gera um cenário difícil. Mas se o austeritarismo não resolveu as crises anteriores, não é agora, quando os problemas não resultam nada dos salários e do consumo, que vai resolver. Há que ir para a rua exigir rigor e soluções