Enquanto por cá se discutem descidas do IRC e alguns setores empresariais procuram garantir - e parece que vão conseguir - ampliar o generoso sistema de isenções e benefícios fiscais de que beneficiam, em Espanha é esperado um aumento da coleta fiscal de 7,7% obtido à custa de "novas figuras tributárias", isto é, de novos impostos sobre lucros extraordinários da banca, das energéticas e, ainda, sobre patrimónios de mais de três milhões de euros e de rendimentos de mais de 200 000 euros por ano. É assim que o Estado espanhol obtém recursos adicionais para financiar políticas sociais.
Enquanto em Portugal se muda a lei sobre a atualização das pensões, porque do ponto vista da política orçamental não convém que elas conservem o seu valor real, em Espanha, cumprindo a lei, o Governo já se comprometeu a atualizar as pensões para 2023 de acordo com a taxa de inflação verificada, ou seja, em cerca de 8,5%.
Portugal e Espanha são igualmente membros da União Europeia e da Zona Euro, estão os dois na Península Ibérica e têm outras semelhanças, designadamente, na cor política base dos seus atuais governos. Em Portugal temos um governo do Partido Socialista (PS), em Espanha é do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), o "partido irmão" do PS. O problema é que a cor ganha ou perde vivacidade em função dos contextos. Em Espanha o PSOE não tem maioria e governa em aliança com um partido de Esquerda, com quem partilha pastas ministeriais. É um casamento que o PS jamais quis assumir em Portugal. Provavelmente estas são razões pelas quais as políticas sociais que estão a ser possíveis em Espanha se apresentam impossíveis em Portugal.
O PS gosta é de ser solteiro próximo de ricos, ter maioria absoluta que lhe permita ser dono da bola, pôr e dispor do poder, por vezes exercido por elementos de baixa qualidade. E quando, para ter vitalidade, precisa de namorar, prefere a Direita, a sua agenda, os seus cozinhados. Marcelo Rebelo de Sousa, mestre de culinárias e "arranjos" para a Direita, lá vai justificando a ausência de respostas aos graves problemas sociais e laborais de hoje em nome de um futuro negro, lá vai afiando o bisturi para uns golpes no Serviço Nacional da Saúde; lá se vai pronunciando sobre todos os assuntos como líder máximo, não só do poder executivo como também de todas as representações sociais e económicas, anulando análises e ação crítica na sociedade.
Outro promotor dos perniciosos namoros do PS com a Direita é o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, mestre na utilização do argumento da média como prova de que, se a um frango foi cortada uma asa, logo esse frango foi partido em dois. Entretanto, na passada quinta-feira, disse que em Portugal "cerca de 80% dos salários são definidos no âmbito de instrumentos de regulamentação coletiva,...o que pode introduzir um elemento de rigidez na transmissão da inflação aos salários". Ora, a inflação está a comer o valor real dos salários e Centeno ainda está preocupado com o impacto que os diminutos aumentos nominais dos salários poderão ter na inflação e com a "rigidez" das instituições da regulação laboral, quando estas tanto precisam de ser reequilibradas nos seus poderes e incentivadas a fazerem negociação coletiva.
Talvez seja de pôr de lado o velho ditado sobre os "maus ventos" que podem vir de Espanha.