O futuro depende, em grande medida, das respostas que se conseguem dar no presente, que é contínuo. Mesmo no contexto de revoluções, o tempo propiciador de avanços extraordinários é muito curto. Por isso, habituei-me a acreditar em quem aconselha: se queres um bom futuro, trata eficazmente do presente.
Os nossos governantes e responsáveis de muitas organizações privadas seguem perigosamente o caminho oposto. Usam e abusam do tecno deslumbramento com que nos tentam fazer levitar, esquecendo-se, por exemplo, de respostas urgentes aos impactos da digitalização e outros, como vimos esta semana com o ataque cibernético à TAP; e, convocam continuamente a instituição “crise” para criar as situações de exceção com que eliminam direitos e aumentam a exploração e a pobreza.
O Conselho de Finanças Públicas apresentou cálculos perspetivando que um trabalhador que recebe os 12 meses do ano, o subsídio de férias e o de Natal - que não veja o seu salário atualizado de acordo com a inflação - irá ter uma perda equivalente a um salário. O governo pode propagandear objetivos genéricos de futuro na sua Agenda do Trabalho Digno, sem responder à premência de negociações para atualizar salários nos setores público e privado? Então, as retribuições justas não são um dos princípios basilares do trabalho digno? Como será possível um Acordo sobre Competitividade e Rendimentos, para o imediato e o curto prazo, fora daquela Agenda?
Para justificar perdas nos salários ou nas pensões de reforma, o governo martela rapidamente “estudos técnicos”. Porque não se municia de trabalhos sérios que apontem caminhos de recuperação dessas perdas, em vez de as justificar? O que leva o governador do Banco de Portugal (e governantes) a clamar contra a atualização justa das pensões, não é a preocupação com a sustentabilidade da Segurança Social, mas sim poder continuar a utilizar os milhares de milhões de euros dos saldos positivos da gestão do Sistema (é dinheiro só do trabalho) para concretizar a sua visão de Orçamentos do Estado com contas certas.
No momento, setores patronais oportunistas, invocam impactos reais e imaginários de crises e catástrofes para tentarem conquistar a redução do IRC. Porque razão o governo não faz uma informação rigorosa sobre o que se passa com este imposto? Existem estudos fundamentados sobre o que significam as exceções e regras de favorecimento fiscal. Mais de 50% das empresas não pagam IRC; e, se pagassem as taxas que alguns líderes empresariais dizem pagar, o Estado receberia quatro vezes mais do que recebe. Os apoios às empresas devem, pois, dirigir-se às que deles necessitam e merecem, por assumirem contrapartidas necessárias.
O Presidente da República (PR) anda desaustinado: quer que o governo apresente “a visão que tem para o próximo ano", pois “o que vem aí é mau". Marcelo quer que os portugueses se acomodem às perdas de rendimentos que já tiveram e à não atualização de salários e pensões a que têm direito, agora. Quer a aceitação precoce do empobrecimento. Um PR democrata, consciente dos desafios do presente e do futuro próximo e deitando mão de valores éticos e morais devia exigir, mais que nunca, uma justa distribuição da riqueza e ajudar a que os mais frágeis sejam capacitados agora, para poderem enfrentar problemas maiores que podem surgir.
Não aceitemos a “normalização” das crises. Exijamos respostas aos problemas do presente contínuo.