O Primeiro Ministro (PM) tem colocado expectativa num hipotético Acordo de Política de Rendimentos, em discussão na Concertação Social. Que contributo esperar dessa discussão, para a melhoria estrutural da economia e das condições de vida? Os trabalhadores e os reformados, que vêm perdendo rendimentos aceleradamente, vão ver essa situação invertida?
Em finais de 2019, antes da pandemia do COVID 19, a necessidade de abandonar estratégias de competitividade baseadas na compressão permanente dos salários, parecia ser generalizadamente aceite. O PM falava em revalorização salarial e na necessidade de equilibrar a injusta repartição do rendimento nacional - muito desfavorável ao trabalho -, considerando essas opções como fatores indispensáveis para “reter as gerações mais jovens” e “melhorar o perfil de especialização da economia”. António Costa pode jurar que não abandonou esses objetivos, mas as políticas que vem promovendo negam a sua viabilidade.
Com a pandemia e os primeiros sinais de inflação, rapidamente exponenciados com a invasão da Ucrânia, o cenário que nos era apresentado em 2019, foi-se dissolvendo no ar. Alguns economistas, liderados pelo governador do Banco de Portugal, puseram a circular a ideia de que aumentos salariais em contexto de inflação tendem a alimentar uma espiral imparável de subida de preços. O palpite do Governador foi prontamente assumido pelo governo como verdade científica. As confederações patronais que, confrontadas com a dificuldade em atrair mão de obra, admitiam melhorar as remunerações, estão agora entrincheiradas na imposição de baixos salários: estão as empresas que vivem reais dificuldades e precisam de ajudas; as muitas que conseguem transferir o agravamento de custos, mas não o confessam; as que têm beneficiado de lucros fabulosos.
Os objetivos anunciados pelo governo para a atualização salarial da Administração Publica - que contamina sempre toda a negociação salarial – indiciam que está em curso, não a revalorização salarial prometida, mas sim novo afundamento dos rendimentos (reais) dos trabalhadores.
O PM sabe que o efeito da inflação no rendimento tanto pode ser conjuntural como estrutural, ou seja permanente. Quando a inflação é acompanhada de uma atualização do rendimento equivalente ao aumento médio dos preços, o seu efeito no rendimento real (isto é, em termos de poder de compra) é meramente conjuntural. Mas, se essa atualização não ocorrer e o rendimento de que se dispunha antes do aumento dos preços, for acrescido de uma percentagem inferior à taxa de inflação, então o valor real do rendimento degrada-se condicionando negativamente toda a sua trajetória futura. O efeito da inflação torna-se permanente, repercute-se no futuro. Isto é particularmente grave para os pensionistas para quem é difícil compensar a degradação do valor real da pensão com outras fontes de rendimento.
As prestações pecuniárias ocasionais, como as que o governo adota, são compensatórias? Sim. Mas só compensam momentaneamente, não se repercutem em rendimentos reais no futuro. E, as transferências ocasionais desligadas da consolidação dos direitos sociais fundamentais (ancoradouro da cidadania e da democracia), são caminho perigoso.
O Senhor Primeiro Ministro terá consciência de que a bota não dá com a perdigota. Talvez um pouco mais de rigor e verdade ajudem na resolução dos sérios problemas dos cidadãos e do país.