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02-09-2022        A Tarde [BR]

Em 1992, no livro “O Colapso da Modernização”, Robert Kurz fez uma previsão incômoda para os apologistas do “Fim da História”. Em oposição às expectativas de uma Nova Ordem Mundial baseada na riqueza ilimitada e na paz perpétua, com o fim da URSS, haveria a possibilidade de “que a era das trevas da crise do sistema produtor de mercadorias, com seus acontecimentos catastróficos, envolvesse boa parte do século XXI” (p. 223).

A derrocada soviética, conforme sua análise, foi resultado da reprodução do capitalismo perante outras condições históricas, mas não dissociadas das limitações sistêmicas da valorização do capital. A cisão entre duas potências, URSS e Estados Unidos, mascarava a união entre dois pólos de um mesmo campo histórico no processo de valorização do capital. Afinal, o Mercado, tal como o deus Jano, possui dupla face: uma da regulação e a outra da livre iniciativa.

Kurz desvelava a precariedade da Vida frente às contradições de um sistema que não consegue mais autoreprodução. Advertia dos perigos de uma crítica social não dissociada e teoricamente dependente da intelligentsia dominante para compreender as limitações do atual tempo histórico. Por exemplo, perceber que o Estado deixou de garantir a salvaguarda dos indivíduos para torna-se o aparato de controle da massa crescente de “perdedores globais”. Que a Política, como parte da missão civilizadora do capital, tornou-se um mecanismo para administração do caos. E a economia, acelerada pela globalização financeira, assumiu o papel de “capitalismo cassino”. Conclui que no colapso da modernização, “a falha do Estado e a falha do mercado tornaram-se idênticas porque a forma de reprodução social perdeu a capacidade de funcionamento e integração” (p. 234).

Desde o lançamento desta obra audaciosa, há 30 anos, a previsão de Kurz continua a incomodar os incautos defensores do sistema. Os indicadores globais não permitem duvidar. Queda no crescimento econômico, abismos sociais, aumento do desemprego e expansão da dívida pública reforçam a tese de crise estrutural, de catástrofe social.

Essa interpretação, no entanto, não se apresentou isolada. Nos anos 1980, o compositor e pianista Arrigo Barnabé, expoente da vanguarda paulista e líder da banda Sabor de Veneno, lançou um manifesto musical contra a alienação. O álbum “Clara Crocodilo” bem que poderia ser a trilha sonora da perspectiva crítica de Kurz. Na faixa título, alertava sobre o ardiloso capital: “o pesadelo começou. Será tudo fruto da sua imaginação?”. Por isso, “quem cala, consente. Eu desacato. Não vou ficar mais neste inferno à espera da ocasião propícia para despertar”. O momento é agora. Será? Às vésperas de eleições, votar pode ser dever/devir.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
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eleições    Brasil    democracia