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30-07-2022        Jornal de Notícias

Vai-se dizendo que resulta dos impactos da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia a inflação galopante que está a comer-nos boa parte dos salários e a deteriorar as condições de vida. Simultaneamente, por efeitos da pandemia e da guerra, são escandalosos os lucros oficiais (os reais serão maiores) dos acionistas de empresas dos subsetores da energia, das farmacêuticas, de distribuidoras de produtos alimentares, de potentados de bens de consumo, de bancos, de grandes proprietários e especuladores imobiliários.

Há, sem dúvida, pequenos e médios empresários que estão a ser espremidos, mas quem não tem condições de imputar custos a alguém é o consumidor final. E essa é a condição de todos os trabalhadores por conta de outrem, a grande maioria de quem trabalha. Quem tem baixos salários e pensões cai na pobreza. O reverso é a ampliação do número de ricos e a chocante concentração da riqueza. Para estes, a guerra é excecional oportunidade de negócios e de apropriação da riqueza.

Não fiquemos quietos perante esta vergonhosa injustiça. Há que desmistificar as crises e exigir rigor nas políticas gizadas sob a invocação da guerra. Os seres humanos não podem ser meras peças do mercado e o "trabalho não é uma mercadoria". Este foi o alerta universal, assumido em maio de 1944, em Filadélfia, como princípio a respeitar para que o sofrimento da II Guerra Mundial não se repetisse e os países pudessem recuperar do descalabro.

Estou sempre a bater na mesma tecla porque é imperioso: se queremos pôr fim às guerras e promover a paz, uma sociedade mais justa, alternativas políticas ao belicismo, respostas adequadas aos grandes bloqueios ambientais e ecológicos, uma utilização das tecnologias e do conhecimento ao serviço do bem comum, então o debate sobre o lugar central do trabalho na organização da economia e da sociedade tem de ser acutilante.

Salários mais justos, recusa das precariedades, o direito de todo o cidadão a não depender da caridade alheia são elementos centrais para melhor distribuição da riqueza, para defesa de sociedades democráticas e da paz. Por outro lado, é indispensável a fidelidade refletida no equilíbrio da relação entre direitos e deveres. O direito do trabalho e os sistemas de relações laborais equilibrados têm, exatamente, essa missão.

Os tempos são de alerta. Katrina vanden Heuvel ("Público", 27/7) analisa as razões por que os democratas dos EUA "estão a perder a classe trabalhadora" e conclui que foram as opções de "centristas" defendendo "as políticas neoliberais - desregulamentação, livre comércio, privatização - que levaram a este resultado". Ora, à escala europeia e no plano nacional, prosseguem estas práticas. Alimenta-se o tigre para que ele seja bonzinho.

Não há espaço para ilusões. O neoliberalismo necessita de forças ultraconservadoras e fascistas na governação dos países. As democracias liberais, atoladas em contradições e em falsa invocação de valores, facilitam-lhes o caminho. Ora, historicamente, a ultradireita e o fascismo penetraram nas sociedades e chegaram ao poder apresentando-se com preocupações obreiristas mobilizadoras. Aí instalados, aniquilaram os direitos laborais e sociais e as organizações dos trabalhadores.

Os milhares de milhões de euros que o Estado está a arrecadar, para além do previsto no Orçamento do Estado, vieram essencialmente do IVA e do IRS, pagos em enorme parte por trabalhadores e reformados. Espera-se que não lhes sejam roubados.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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