O mês de junho encerra em aporia. O direito à vida, que deveria ser a maior das certezas, mantém-se como pauta. Na dúvida, basta uma mirada na mídia para comprovar essa assertiva. A invasão russa na Ucrânia completa quatro meses, com consequências que ultrapassam a Europa e destilam ácido por todo o Planeta. A Conferência dos Oceanos (Portugal), ao alertar para os problemas globais ocasionados pela falta de saneamento básico e escassez de água potável - que resulta em mais de dois milhões de mortes/ano (OMS, 2021) -, coloca em xeque a realização do ansiado “desenvolvimento sustentável” (objetivo 14 da Agenda 2030 da ONU). Isto sem olvidar do trágico final de semana em que mais de 46 imigrantes foram encontrados mortos, possivelmente de insolação, em um caminhão abandonado no Texas. Triste sina, também, de 18 congêneres marroquinos que tentavam cruzar a fronteira em busca de liberdade em Melilla (enclave espanhol no norte da África).
Sob os ditames do atual sistema de produção social do capital, a liberdade é uma linha tênue entre a vida e a morte. Ao mesmo tempo, pode ser o nosso dom mais precioso, como alude Miguel de Cervantes (Dom Quijote, 1605), ou uma mortífera conclusão, nas palavras de Álvaro de Campos (heterónimo pessoano, 1923). Infelizmente, a morte que estamos a abarcar não se expressa no sentido filosófico do esclarecimento, de Platão a Hegel, mas no político. O que Robert Kurz cunhou de “guerras de ordenamento mundial” (2015), processo em que as forças do capital, não mais preocupadas em estabelecer conquistas territoriais, buscam dizimar uma parcela significativa da população mundial excluída do processo de criação de riqueza. Os chamados “povos do abismo” (Jack London, 1903), aqueles inúmeros e invisibilizados corpos humanos que vagam sem destino. A espera da morte, pelas ruas das cidades, são contrariados pelas promessas do Progresso e encontram no Estado a face mais hostil da barbárie: a alienação de políticas públicas e a violência cotidiana.
Políticas públicas que, submetidas à lógica da antinomia, ampliam a crise de legitimação dos próprios Estados nacionais. Essas instituições do poder que insistem em defender valores democráticos enquanto propagam a exclusão dos corpos que não ganham o suficiente, não têm empregos estáveis e morrem. Além de serem responsabilizados pela própria morte, como denuncia Judith Butler (2018).
Felizmente nem tudo está perdido, há primaveras ainda a colher. Os ventos da mudança, desde a América Latina, estão a soprar. E, parafraseando Robert Frost, poeta norte-americano vencedor de prêmios Pulitzer, “tenho uma promessa a cumprir com a Liberdade e caminhos a percorrer antes de definitivamente morrer” (1923).