Noite primaveril, encerramento de agenda cultural. “Clair de lune” foi interpretada duas vezes. Versões recolhidas do Romantismo e trazidas pelas mãos de pianistas de países e idades diferentes. Ambos iniciaram na infância introdução à música. Uma multidão em silêncio recebe a mensagem de Maria João Pires (Portugal) e Ricardo Castro (NEOJIBA, Brasil). A plateia reuniu pessoas, intenções e expressões de Humanidades. No último 5 de junho, dentro de espaço público, a Festa do Livro 2022 cumpriu seu objetivo maior: divulgar livros, circular saberes e memórias, compartilhar música, reconhecer quem, depois do biênio pandêmico, investigou, escreveu, estudou. O programa era extenso, mas as mulheres tiveram destaque: Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), Maria Irene Ramalho (Universidade de Coimbra) e Maria João Pires (pianista e criadora do Centro Cultural Belgais e Coro “Hesperos”). Todas, mulheres de seus tempos, “fazedoras” de artes e ciências.
Metaforicamente luas e mulheres compõem o imaginário social. Em fase crescente, o trio esteve em edifícios, jardins e palcos, provocando sensações. Refletem ocupações importantes para que meninas e outras mulheres sonhem com assentos possíveis, profissões não determinadas e realizem-se privada e publicamente. As três Marias são estrelas. Lourdes candidatou-se à presidência de Portugal (1986) e dizia exercer não a químico-industrial, mas a “engenharia humana e social”. Um legado de consciência social. Irene, que o nome vem do grego “paz”, encontra pessoas em Pessoa (Fernando e seus heterônimos). Com voz suave convida à leitura. Formou inúmeras investigadoras, professoras e fomenta estudos feministas. E, a João, uma gigante das teclas a fazer “baixar a lua”, seja através de Beethoven ou Debussy. Busca “uma alternativa a um mundo por vezes demasiado focado na competitividade”, criando e integrando coletividades artísticas.
Se poema (de Paul Verlaine) inspirou música (de Claude Debussy), imaginar o que mulheres-mestras fizeram e fazem também convida a outras possibilidades. De sóis e luas, ainda não chegou o solstício, mas as luzes anunciam a avidez pelo encantamento mais e outra vez pelas artes e humanidades (ciências e expressões humanamente sociais).
Espaços públicos para res publica. Pessoas criativas e estudiosas para amplos grupos, intergeracionais, internacionais e registrando o que temos de comum, de belo, de sensacional. Maneiras de educar para e pelos direitos humanos (não os inscritos no papel), mas aqueles que fazem sentido. Humanos direitos à memória, à cultura, à educação, a conviver e transferir conhecimentos. Cultura e educação como bens humanitários e sociais, conectando gerações, promovendo acessibilidade.