O governo aprovou esta quinta feira, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei que integra as alterações à legislação laboral identificadas na Agenda do Trabalho Digno. A Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social manifestou a convicção de que a AR vai ser célere a aprovar aquela proposta de lei e que ela assegura a “valorização dos trabalhadores” em geral e, mais especificamente, “a valorização dos jovens no mercado de trabalho". Tais objetivos são uma necessidade para o país, mas não se chega lá por mera manifestação de intenções.
Primeiro, num quadro em que Portugal carece da melhoria do perfil de especialização da economia, de uma grande recuperação socioeconómica e de travar o empobrecimento demográfico, o debate daquelas alterações legislativas no sentido de se valorizar o trabalho, os salários e as condições de vida dos trabalhadores, desde logo dos mais jovens é um dos debates políticos prioritários. Será que o governo e a AR estão em condições e com vontade de motivarem os portugueses para essa importância?
Segundo, as grandes reformas laborais implicam avaliação efetiva dos impactos que as leis ainda em vigor produziram, de identificação da realidade em que o país vive, do estado do Sistema de Relações Laborais que temos, de algum distanciamento face a estrangeirismos e modas conjunturais. Elas exigem reflexão, estudo, debates com contributos dos trabalhadores e seus sindicatos, das representações patronais, da academia, e de abordagens qualificadas na comunicação social. Este envolvimento não está criado e não se perspetiva fácil. Daí podem resultar consensos podres e atuações governamentais pretensamente salomónicas, mas objetivamente a favor dos mais fortes.
Terceiro, a última grande reforma laboral, com a entrada em vigor do Código de Trabalho em 2003 (as posteriores aprofundaram conceções aí vertidas), veio desequilibrar o entendimento institucional criado a partir da Constituição da República, aprovada em 1976 - a ancora da nossa democracia e do nosso Estado Social. Tal reforma foi realizada em nome da “velhice” das leis laborais e da contratação coletiva, da necessidade da “flexibilidade protegida” e do aumento da “competitividade”. O resultado foi um sistema de contratação coletiva disruptivo e a não confirmação dos objetivos propostos. Impuseram-se prestações de trabalho cada vez mais precárias e penosas, e alterações legislativas a consagrá-las.
Quarto, acrescem outros factos relevantes: i) não se procedeu a um balanço sistematizado e profundo destes 20 anos - os Livros Verdes não tratam todas as dimensões e impactos a considerar; ii) foi quase proibido discutir as questões sensíveis do princípio do tratamento mais favorável e da caducidade dos contratos coletivos; iii) entre a versão inicial da Agenda e a que surgiu na Concertação Social, houve recuos desfavoráveis aos trabalhadores; iv) nessa sede, o governo passou matérias de incidência pecuniária – os salários são ponto de partida para o trabalho digno - para a discussão de um acordo de rendimentos e competitividade, ampliando a margem de manobra patronal para travar a melhoria de salários e retribuições; iv) em várias das 70 medidas que estarão na proposta de lei enviada à AR há mexidas cirúrgicas, em regra, em desfavor dos trabalhadores.
É preciso mobilização da sociedade para que, na AR, a Agenda não continue a minguar e possa melhorar, transformando-se num passo, embora limitado, a favor do nosso desenvolvimento.