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13-05-2022        A Tarde [BR]

Em 1948, sob os efeitos devastadores no espírito e na moral civilizatória do pós-guerra, as editoras Seeker & Warburg (Londres) e Harcourt, Brace & Co. (Nova Iorque) publicavam em simultâneo um dos livros mais paradigmáticos de todos os tempos: 1984, de George Orwell. A partir de então, a compreensão do conceito de política, principalmente a aristotélica da “boa vida em comunidade”, sofreria um sério réves. Isto porque, se a busca contínua pela verdade for substituída por uma política de mentiras, evasões e absurdos - associada a nossa incapacidade de pensar criticamente - os prejuízos para o desenvolvimento da humanidade serão irreversíveis.

Ao narrar a experiência totalitária vivenciada por Winston Smith, que elabora às escondidas um diário para relatar as incongruências do poder, a literatura (re)assume o protagonismo contra as infinitas máscaras da barbárie. Orwell, na obra, desvela os mecanismos da esquizofrenia coletiva sistematizada. A prisão mental, o panóptico do medo alimentado pela violência do “Big Brother” e sua narrativa plena de contradições: a novilíngua.

Se no romance de Orwell o objetivo do poder é enfraquecer as fontes de conhecimento e criar conjecturas para empobrecer a opinião dos (ainda) inconformados, no Brasil, em pleno ano eleitoral de 2022, a utilização da novilíngua é para eliminar a verdade. Se não totalmente, pelo menos tonando-a inintelegível para grande parte da população.

O discurso ideológico produz bons resultados e, por mais inverossímil que seja, consegue deslocar a atenção de (quase) toda a comunicação social para o aparente confronto institucional ao invés de focar na ineficácia governamental para enfrentar os reais problemas estruturais. Destacando, neste momento, o descontrole inflacionário (acima de 7%, segundo o Banco Central), o recrudescer das taxas de desemprego (superando os 11%, para o IBGE) e a crise energética. Sem olvidar da ausência de políticas públicas condizentes para enfrentar o “novo estado do mundo”.

A partir do momento em que negligenciamos o poder de influência narrativa da novilíngua, a nossa capacidade de pensamento é atrofiada. Perdemos o sentido de tempo e aceitamos passivamente a falsificação das circunstâncias históricas. Portanto, se “a linguagem política está concebida para fazer a mentira parecer verdadeira, o crime respeitável e para dar um aspeto sólido ao vento puro”, o livro 1984 é um alerta para enfrentarmos o dèjá vu totalitário em um país dividido ideologicamente e tecnicamente armado. A mudança não é instantânea, mas podemos começar com uma profunda alteração de atitude na utilização das redes sociais.

Afinal, 1984 é apenas uma ficção. Não há “Big Brother” em 2022, pois não?

 


 
 
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Antonio Carlos Silva



 
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