Um compositor octogenário, no auge de uma trajetória repleta de êxitos, retorna ao palco. Em defesa dos humilhados pelo poder, desvelando os podres poderes.O cenário é a Itália unificada. Giuseppe Verdi (1813/1901), o artista. Entretanto, ao considerar que a trilha sonora é marcada pelo ritmo da opressão e da alienação, poderíamos referenciar outros ícones da música que deixaram legado ético inestimável para humanidade. Frédéric Chopin (1810/1849), pianista polonês, e John Lennon (1940/1980), pacifista e fundador da bandade rock “The Beatles”. Ambos, mortos prematuramente, marcaram época com o seu ativismo social.
Desse lado do Atlântico, no Recôncavo baiano, encontramos em Caetano Veloso (1942) - cantor,compositor, músico, escritor, poeta – uma fonte ilimitada para compreensão histórica do Brasil nos últimos 50 anos. Na canção “Purificar o Subaé” (1981) brada contra a tecnologia a serviço da destruição e a perversa poluição das águas. Em “Podres Poderes” (1984) pergunta até quando “cada paisano e cada capataz com sua burrice fará jorrar sangue demais nos pantanais, nas cidades, caatingas e nas gerais”. Na década de 1970, entre o arrefecer ditatorial e a Lei da Anistia, escancara as chagas do colonialismo e manifesta seu amor pela diversidade em “Gente” (1977) no qual assevera que as pessoas morenas “nasceram para brilhar, não para morrer de fome”. Refratário, insurgente e genial. Com o movimento tropicalista (1967/68), liberou o frescor do possível ante uma sociedade (com as mentes) aprisionadas.
Aos afetos maternos, diante da divindade, entoa cantos suaves e diz "doce riso demãe, doce mãe dessa gente morena, luz das mais claras manhãs, que conduz para luz mais serena" (1980). À mãe Canôzinha, de olhar firme e sereno, os versos são ternos e profundos como expressão de quem cuida do mundo.
Santo Amaro, a“Pérola do Recôncavo”, cidade histórica em que as elites atravessaram o Atlântico financiados pela labuta e brutal exploração do povo preto, agora desfruta de um momento de jubilo e confirmação. Seu filho dileto receberá o título de Doutor Honoris Causa, em reconhecimento a sua trajetória em favor da educação e da cultura, em uma das mais antigas e consagradas instituições do mundo: a Universidade de Salamanca.
Caetano, brasileiro que rompeu com os grilhões da hipocrisia, se rebelou contra as censuras e sofreu com as distintas chagas da barbárie. Substantivo e verbo, Veloso amplia o vasto palco da ação libertária ao colorir - com distintos matizes - a imensidão humana. Caetano Emanuel Teles Veloso, cidadão do mundo, sempre atento às causas que deve intervir. E, como Verdi, consegue enxergar pelas lentes das artes,o que há de bom. Caetanear!