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07-05-2022        Jornal de Notícias

No mês passado, por convite da Associação de Solidariedade Social "O Tecto", de Vila do Conde, fui desafiado a refletir sobre "O emprego de pessoas vulneráveis para a (re)cidadania". Esta associação tem um longo e dedicado trabalho com pessoas cujas vidas são tolhidas por vulnerabilidades de diversa natureza.

Em relação a algumas delas é difícil falar da construção de (re)cidadania, pois nunca lhes foi propiciado serem cidadãos plenos. Viveram sempre nessa condição que catalogamos, sem nos envergonharmos, de "excluídos".

O tópico principal centrou-se na reflexão com vista ao surgimento de ideias e propostas que ajudem aquelas pessoas a terem mais êxito na conquista de direito a trabalhar e a ter emprego. Partimos de três pressupostos: i) todos os seres humanos têm capacidades que podem ser evidenciadas e potenciadas; ii) ninguém é excluído por opção própria, mesmo quando se constata que um ser humano deixou de acreditar nas suas capacidades e nas dos outros, e "opta" por se acantonar, por estar "fora"; iii) num Estado social de direito democrático, as pessoas são os sujeitos dos direitos e deveres instituídos e ninguém deve ser abandonado aos caprichos da benevolência alheia.

Como era exigível, identificamos tarefas e formas de trabalhar, alertamos para o investimento operacional que é exigido a cada técnico especializado que, conhecendo as vulnerabilidades e os códigos muito particulares de socialização de cada pessoa, pode contribuir para que ela ganhe confiança e esperança e ajudar na sua preparação para contactos com potenciais empregadores. Todavia, todo este esforço pode ser desperdiçado se continuarmos a ter processos de recrutamento de trabalhadores em que quem recruta (desde logo as entidades privadas) não está treinado para captar, reconhecer e valorizar as capacidades dessas pessoas. Na maioria dos casos, as portas de entrada estão fechadas e, salvo raras exceções, quando se abrem é, erradamente, por caridade ou pontual incentivo público.

Esta conceção arcaica, que desvaloriza até à exclusão as pessoas mais vulneráveis, prosseguirá se o nosso sistema de relações de trabalho continuar a definhar por efeito da generalização de precariedades; por desrespeito do direito do trabalho e das leis laborais; por perda de poder dos trabalhadores e dos seus sindicatos; pela ausência de medidas de discriminação positiva; pela entrega dos recrutamentos a "algoritmos" que contratam pessoas-máquina acríticas e submetidas ao poder patronal unilateral (colaboradores), e não seres humanos/cidadãos com direitos laborais e sociais e influentes no destino das empresas e serviços (trabalhadores). Que nos trará a aposta que o Governo afirma querer fazer com a Agenda do Trabalho Digno?

São necessários serviços públicos de emprego e formação que, munidos de meios humanos e técnicos e de orientação política adequada, sejam capazes de favorecer a evidência das capacidades das pessoas e de insistir junto das empresas e dos serviços públicos para mudança de mentalidades e práticas.

A incapacidade de ver potencialidades é mais evidente perante pessoas mais vulneráveis, mas é geral. Se fossem reconhecidas, pelos empresários e pelo Governo, as capacidades das gerações mais jovens, e se tivéssemos um tecido económico a modernizar-se de facto, teríamos menos emigração e muitos mais jovens a constituírem família e projetos de vida no nosso país.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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