Este ano, a evocação do Dia Internacional do Trabalhador, dia 1.º de Maio, ocorre num quadro político e social de enorme complexidade e carregado de riscos. A história mostra-nos que em contextos como o que estamos a viver, em que a humanidade parece caminhar para o abismo, é imprescindível uma atenção redobrada ao mundo do trabalho e à importância da organização e da ação coletiva dos trabalhadores.
Que economia vamos ter no rescaldo da guerra em curso na Ucrânia que, tendo por consequência imediata o massacre de um povo e a destruição de um país, se situa no cerne dos movimentos tectónicos da geopolítica, com disputas interimperialistas que alimentam não só aquela, mas muitas outras guerras à escala global? Que economia é esta que gera a brutal concentração de riqueza que permite ao senhor Elon Musk oferecer 44 mil milhões de euros (mais de 3 PRR) pelo Twitter? Que democracia, que direitos humanos, que emprego e direitos laborais e sociais sobrevirão se prosseguirem estas selvajarias? Que Estado social teremos se permitirmos que, como está a ser preparado, parte significativa da riqueza produzida possa ser sacrificada no altar da escalada belicista em curso?
Os perigos que se perfilam são grandes, mas ultrapassáveis. É preciso vencer medos pela ação cívica e política. A democracia ganha vida, e as alternativas germinam, a partir da participação organizada dos trabalhadores, dos cidadãos, do povo. As respostas aos problemas difíceis são complexas e trabalhosas, não surgem repentinamente de um superdotado qualquer, nem se coadunam com os quadros a preto e branco que os poderes político e comunicacional instalados manipulam.
António Guterres, na sua passagem pela Ucrânia, criticou os que entendem a política como "uma feira de vaidades". Oxalá os governantes europeus, e também os grandes meios de comunicação, se comportem, não como vassalos de um império, mas antes como defensores empenhados dos valores humanistas e da paz, dos interesses dos povos que representam, da sua cultura e valores no cenário daquelas disputas interimperialistas.
Na encíclica "Fratelli tutti", o Papa Francisco, no capítulo "A política melhor" alerta para cuidados a termos com o mercado enquanto "dogma de fé neoliberal" e para não aceitarmos que a economia "assuma o poder real do Estado"; diz-nos que para que a política seja melhor "a grande questão é o trabalho" e "conseguir que a organização de uma sociedade assegure a cada pessoa" trabalho digno. Em Portugal, é muito necessário reforçar o apelo de Francisco que afirma: "insisto que "ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo devia ser sempre consentir-lhes uma vida digna, através do trabalho"".
Façamos um exercício de memória mostrando o imenso contributo dos sindicatos para as mais profundas e melhores transformações que os portugueses conseguiram realizar. É hora de todos os que se preocupam com o valor e a dignidade do trabalho afirmarem a importância do sindicalismo.
Neste 1.º de Maio, relembremos que os sindicatos criam as suas raízes e se alimentam, em primeiro lugar, na ação desenvolvida a partir dos locais de trabalho. É com práticas de diálogo e de participação de todos, a partir das condições concretas e das perspetivas de vida de cada um, que se geram sínteses ou identidades coletivas que, acolhendo diferenças, ganham força.