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02-04-2022        Jornal de Notícias

Um destes dias ouvi na rádio um dirigente de uma confederação empresarial do Norte a defender, enfaticamente, a “importação de mão de obra”. O conteúdo daquela afirmação é revelador da fraca preparação de muitos representantes empresariais e relevante por diversas razões. Consideremos fundamentalmente duas.

Primeira. Pela linguagem utilizada. A expressão “importação de mão de obra”, felizmente é - ou tem sido até agora - considerada inapropriada na nossa sociedade e, como tal, evitada. Mão-de-obra é trabalho humano inseparável das pessoas que o executam, logo, das condições de dignidade enquanto seres humanos e seres sociais. Não é coisa que se importe e exporte como qualquer mercadoria. Será a utilização do termo em público, sinal de uma perda de decoro? Porventura estamos na continuidade de teses expostas recentemente por alguns que, a coberto de uma solidariedade urgente, defenderam e procuram organizar o acolhimento dos refugiados da Ucrânia centrado no contributo para a desobstrução do mercado de trabalho.

Segunda. Pelo que revela quanto à persistência do erro que sustenta as conceções de muitas confederações patronais. Depois das ultimas eleições legislativas e de António Costa insistir na necessidade de se aumentarem todos salários, os dirigentes patronais surgem na concertação social afirmando repetidamente que também gostavam de pagar melhor, mas que não há produtividade suficiente, e juram que querem resolver os problemas da competitividade e do crescimento económico aumentando-a. Todavia, no dia a dia, repetem apenas o que afirmava convictamente aquele entrevistado: que não pode haver crescimento económico com falta de mão-de-obra. Ora, o problema é que pode e deve. Mais, só teremos valorização dos salários quando, em vez de se apostar no crescimento extensivo - à custa de mais e mais trabalhadores mal remunerados - se aumentar a quantidade produzida por dia de trabalho e/ou o valor criado por unidade produzida.

Parte significativa dos nossos empresários continua a falar da produtividade como se ela dependesse apenas do esforço dos trabalhadores e não de uma melhor colocação das empresas nas cadeias de valor, da melhoria de investimento em tecnologias, em organização do trabalho e em eficácia de gestão.

Imaginemos, entretanto, que a “importação de mão-de-obra”, tão desejada, acontece mesmo. O que podemos esperar? 1) prolongamento no tempo da estagnação salarial; 2) continuação da agonia de um padrão de especialização com peso desproporcionado de atividades só viáveis com baixo salário (como por exemplo o turismo barato); 3) mais investimento em formação e qualificação dos portugueses desperdiçado, pois continuarão a emigrar em grande número.

Há razões para acolher em Portugal trabalhadores estrangeiros. Contudo, se forem acolhidos com ofertas de trabalho mal remuneradas, esses imigrantes estarão entre nós apenas o tempo necessário para poderem imigrar de novo: desta vez para países europeus onde os salários e as condições de trabalho e de vida são muito superiores às prevalecentes entre nós.

O apelo à “importação de mão-de-obra”, avançada como panaceia pelo entrevistado da confederação patronal do Norte - que infelizmente não é uma ovelha tresmalhada no conjunto do patronato português - é indigno quanto à linguagem, revela conceções culturais, económicas e sociais retrógradas, e é fútil quanto ao resultado que promete.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
produtividade    trabalho    empresas    patronato