Nos debates político e económico a palavra crise surge convocada, vezes sem fim, para justificar políticas duras ou injustas, independentemente de se estar apenas perante uma hipótese de crise, de esta ser encenada ou ser real. Pelo seu impacto destrutivo, pelas cargas de injustiça e violência que gera, pelo seu potencial de horrores e morte, a guerra é a crise das crises, aquela que mais assusta os seres humanos, a que mais nos subjuga, a que mais intensifica a exploração humana. Por tudo isso a exigência de que se ponha fim à guerra é a prioridade das prioridades.
Todavia, a luta pela paz não se confina ao ato de terminar a guerra. É preciso uma atenção redobrada sobre o que se altera na vida das pessoas e da sociedade, sobre o funcionamento das organizações, instituições e poderes (instituídos ou fátuos), para que a invocação oportunista dos efeitos da guerra não seja instrumento de intensificação da exploração dos povos. Se os "mecanismos" políticos, económicos e sociais que ficarem instalados aumentarem as injustiças, podemos ter a certeza de que a guerra seguinte estará mais próxima.
A recente pandemia, e agora a guerra na Ucrânia, vieram evidenciar em dimensões coincidentes ou distintas a obstrução dos canais que até hoje têm sustentado o aprofundamento dos processos de integração económica. E perspetivam-se disfunções e contradições nas cadeias de valor que não imaginávamos. Por outro lado, parte do acelerado aumento de preços de muitos produtos resulta de dinâmicas especulativas dos mercados de futuros, manipulados por grandes "consórcios" com enorme poder de mercado.
É tempo de alertas: o papel do Estado (s) não pode afunilar-se na missão de garantir lucros aos acionistas das empresas; a responsabilidade social das empresas não deve ser mero produto propagandístico; o risco não pode desaguar todo nas costas dos trabalhadores e no comum dos cidadãos; andam mal altos responsáveis do Estado que pregam a preparação dos portugueses para grandes sacrifícios, no abstrato, em vez de tudo fazerem para que cada sacrifício pedido seja cabalmente justificado.
Na sequência da invasão e guerra na Ucrânia, subiu de tom o "coro económico" de setores empresariais viciados em reivindicar apoios do Estado. Os preços sobem e aumentam custos de produção, logo, dizem-nos, que para salvar as empresas e o emprego que elas "dão", é urgente subsidiá-las ou dispensá-las de pagar impostos, num contexto em que se estão a ampliar os deveres do Estado e as áreas de investimento, em que o país necessita de uma profunda recuperação socioeconómica. Além disso, a situação que começamos a viver traz elementos novos - o processo inflacionista e outros - que exigem políticas distintas das desenhadas para a pandemia.
Os preços sem dúvida sobem, mas quem os sobe são empresas. Isto é, as empresas têm custos mais elevados porque há outras empresas que aumentam os preços, acabando as primeiras por fazer o mesmo para recuperarem a margem que perderam com o aumento dos custos. Neste processo de pescadinha de rabo na boca - em que infelizmente não falta quem aproveite para "melhorar o negócio" - as empresas mais frágeis face à concorrência tendem a perder, mas isso é improvável que aconteça com as grandes.
Uma coisa é certa, quem mais perde é quem paga o preço final dos bens de consumo e não consegue transformar esses acréscimos de custos em aumento de salário ou de pensão.