A brutal agressão à Ucrânia, perpetrada por Vladimir Putin em nome da Rússia, com uma invasão criminosa e ataques de brutal violência sobre os ucranianos, merece-nos condenação inequívoca, exige solidariedade com prioridade em tudo o que possa ser defesa da vida e da dignidade humana. Impõe-se ampla mobilização dos povos, dos países e das instituições internacionais, no sentido de rapidamente se por termo à guerra e à invasão. Isso não se perspetiva nada fácil, porque prossegue a escalada e existem armas de poder destrutivo arrepiante, porque Putin nega valores e princípios da democracia, da paz e da liberdade. Ele tem nas relações com figuras neofascistas como Orban, Marine Le Pen, Bolsonaro ou Trump, faceta relevante da sua identidade.
Entretanto, mesmo que as nossas consciências estejam sobrecarregadas com o que é prioritário – e os poderes dominantes querem que observemos o drama apenas dentro de leituras do imediato que eles nos formatam - são indispensáveis análises de maior folego dada a delicadeza da situação. Os meus recursos para essa tarefa são limitados: resumem-se ao horror que sinto face à guerra por efeito da participação forçada na guerra colonial, como acontece hoje a muitos jovens russos e ucranianos; aos ensinamentos que adquiri sobre o direito à autodeterminação e à independência dos povos; ao trabalho de mobilização e até de partilha de palco em muitas iniciativas contra a guerra, por exemplo com Mário Soares, Maria de Lurdes Pintassilgo e Freitas do Amaral na enorme mobilização contra a criminosa invasão do Iraque em 2003.
Compreendo o fundamental dos pronunciamentos das forças, países e blocos que justamente se opõem a Putin e à sua frieza louca, evitando exporem fraquezas que possam facilitar-lhe um acentuar da escalada, e compreendo a aplicação de sanções. Todavia, assusto-me quando descortino, em posições nomeadamente da NATO e da União Europeia, uma perspetiva de incremento armamentista e de leituras simplistas do bem e do mal, em vez de assumirem a necessidade de uma nova ordem internacional onde nenhum ator, seja qual for o seu alinhamento geopolítico, possa repetir esta “brincadeira” escabrosa contra a humanidade.
Aprendi pela vivência social, política, religiosa e académica a importância de, na saída da II guerra mundial, ter emergido uma forte consciência em defesa da Paz, da Justiça Social e da Democracia dando origem à Declaração de Filadélfia, à Declaração Universal dos Direitos Humanos, à criação da ONU, a forte repulsa da guerra e ao vingar de agendas pacifistas e de libertação dos povos. Seria bom que hoje, face ao descalabro que estamos a viver, se começassem a percecionar processos idênticos.
A comunicação moderna mantem graves vícios antigos e as redes sociais são, em grande medida, espaços de incremento de ódios. Manifesta-se uma certa euforia com a aplicação de sanções económicas e financeiras, mas estamos longe de saber quais os impactos que algumas vão ter, pois estão a ser aplicadas pela primeira vez. Por outro lado, a economia financeirizada (com o seu primado dos negócios) é dos espaços onde se praticam mais violações de princípios democráticos, da ética, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ora, esta economia tende a sair reforçada no atual contexto, e arrastará aumento da exploração.
Plena prioridade à exigência do fim da guerra, mas não descuremos os impactos sobre o futuro.