Em 2016, a escritora e jornalista Alexandra Lucas Coelho escreveu um artigo a que regresso com frequência e que começava assim: “Aos 18 anos, eu achava que era pós-feminista. Trinta anos depois, sou feminista, mais a cada dia, e não será por acaso que ouço cada vez mais mulheres declararem-se feministas”.
O cumprimento de importantes bandeiras de luta e conquistas ao nível da igualdade formal terão dado razões para crer, por um instante, que uma erosão continuada do sexismo não enfrentaria resistência.
Voltando ao discurso de ALC, “se há 30 anos eu me via pós-feminista era por acreditar que os machistas estavam em extinção, evolução natural, questão de tempo. E se agora me vejo cada vez mais feminista é por verificar que, mesmo com tudo o que se fez e sabe […] o machismo soma e segue”.
A falácia do desenvolvimento, que faz corresponder progresso e igualdade nas sociedades capitalistas, produz a ilusão de que o sexismo é um vestígio do passado, resultado de uma meta por cumprir, que será alcançada sem mudanças estruturais.
Não fossem as feministas, não estaria estudada a parceria conveniente entre capitalismo e patriarcado, que responsabiliza as mulheres pelas tarefas do cuidado, ao mesmo tempo que desprestigia a esfera doméstica, naturalizando a inferioridade feminina.
As sociedades modernas precisaram de agregados familiares adequados às necessidades capitalistas. A família tradicional, nuclear e heteronormativa, é uma invenção que isolou as mulheres, fragilizando-as.
Ainda que, no Ocidente, muitas de nós se consideram mais libertadas que as mulheres africanas, nos sete anos que vivi em Moçambique, vi nas redes femininas das famílias alargadas lições de resistência ao patriarcado e ao capitalismo.
Fui adolescente em Portugal numa época em que o feminismo era entendido como promotor de uma guerra de sexos fora de moda. Só mais tarde percebi que é uma arma contra a hierarquia de género, que coloca os homens numa situação de privilégio, mesmo que não façam por isso.
O ininterrupto escrutínio que recai sobre nós na expressão do desejo ou das ideias é um catalisar de inseguranças, que promove a competitividade feminina, vulnerabilizando as mulheres no seu conjunto.
“Tens que gostar de ti para ser amada” grita-nos a mesma sociedade que nos ensina a odiar o nosso corpo, a comparar-nos por defeito, a duvidar de nós e a procurar validação em sistemas de poder enviesados, controlados por homens brancos.
O feminismo em que me revejo não grita frases feitas, revela possibilidades. Se, por um lado, desnaturaliza agressões normalizadas, por outro dá voz a alternativas silenciadas debaixo do sistema de classificação patriarcal.
A felicidade nem sempre mora na fantasia romântica, em que dor e amor se confundem. Há mais para conhecer observando para além dos rótulos.
Na sabedoria politizada das loucas, das bruxas, das mal-amadas, das histéricas, das conflituosas, das brutas, das emocionais, das frígidas, das não comíveis, das putas, das fufas, das selvagens há mapas de ser, estar e amar que os guardiões do patriarcado quiseram desqualificar. Nesses mapas está a sabedoria que liberta.