Foram necessários apenas dois dias para que o Partido Socialista (PS), regozijando da sua maioria absoluta, divulgasse a Avaliação Ambiental Estratégica do Programa de Prospecção e Pesquisa (PPP) de Lítio, anunciando que iria avançar com um concurso público internacional para seis áreas. As áreas a concurso – Seixoso-Vieiros, Massueime e quatro áreas na região de Guarda-Mangualde – abrangem 22 concelhos, onde habitam cerca de 660 mil pessoas. O PS coloca, assim, uma área de 1495 quilómetros quadrados e as suas gentes à venda, num golpe que relembra a assinatura dos 14 contratos de concessão mineira, um dia após o chumbo do Orçamento de Estado.
Uma vez mais, o PS aprova estes projectos demonstrando total desprezo pelas vontades das comunidades locais, que se têm mobilizado nas ruas e se serviram dos mecanismos estatais para ampliar as suas vozes. De facto, a consulta pública do PPP foi particularmente participada, tendo recebido mais de 1400 contribuições. Embora não tenhamos forma de o saber, podemos supor que a larga maioria corresponde a vozes descontentes, visto que as contestações populares aos projectos mineiros têm crescido a passos largos. O governo, ao desdenhar por completo esta “consulta pública”, demonstra que este tipo de instrumentos não passam de uma mera fachada procedimental.
Os truques de magia deste governo são, não obstante, bastante sofisticados: algumas das áreas inicialmente contempladas no PPP foram excluídas devido a “restrições ambientais”, fazendo a população crer que estes instrumentos cumprem o seu papel. No caso do PPP, as áreas “Arga” e “Segura” (curiosamente governadas pelo PS) ficaram fora do concurso porque, segundo Matos Fernandes, a primeira será classificada como Área Protegida e a segunda passará pelos limites da Zona de Protecção Especial do Tejo Internacional. Ora, é curioso que o ministro do Ambiente revele essas preocupações quando, sob a sua alçada, foram aprovados os contratos de exploração das minas do Barroso, do Romano e da Borralha, que se encontram, respectivamente, em Património Agrícola Mundial e na Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês/Xurês. Foi também sob a sua tutela que se autorizaram inúmeros pedidos – ou mesmo contratos – em parques naturais, zonas de protecção especial, zonas de reservas agrícolas ou de património arqueológico.
A corrida ao minério deste governo não olha a meios nem a fins: ignora os gritos das populações, que serão directamente impactadas pelos mega projectos aos quais se opõem; despreza as vozes das associações ambientalistas, que têm alertado para os perigos ecológicos da mineração; e desconsidera as reticências expressas pelos próprios órgãos estatais, que reconhecem que as actividades mineiras acarretam “efeitos nefastos” para a fauna, a flora e o tecido socioeconómico das regiões afectadas.
O avanço do PPP de Lítio é uma má notícia para todas as pessoas que se preocupam com o futuro do país e do planeta. Nos próximos 60 dias, o governo abrirá um concurso para atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de minerais, que, na prática, significa leiloar parte do território, deixando o preço ser ditado pelas mãos especulativas dos mercados. Poder-se-ia dizer que esta fase tem como objectivo conhecer o território, mas sabemos que, sistematicamente, a prospecção abre portas à exploração. Por que outra razão, aliás, investiriam as empresas mineiras milhões de euros nesta fase para depois não avançarem? Podemos, por isso, considerar que o avanço deste concurso alargará a já longa fronteira extractivista de Portugal: estes 149.500 hectares que agora se colocam à venda somam-se aos milhares já vendidos (correspondentes aos 12 contratos de exploração mineira activos e ao contrato de prospecção e pesquisa para a Mina de Circo). Como nos mostra o Mapa do Minério, a corrida extractivista não se cinge ao lítio nem pára por aqui: quase um quarto de Portugal está ameaçado por esta devassa ambiental.
Perante a falta de transparência do governo e da sua indiferença pelas comunidades locais, urge apoiar estas populações, mobilizando-nos pela defesa dos territórios. Com toda a legitimidade, estas populações reivindicam o direito a dizer “não!” aos projectos mineiros que ameaçam destruir postos de trabalho, esventrar os montes e as serras e contaminar os solos e as águas. Não sejamos cúmplices da falsa retórica segundo a qual abrir minas a céu aberto solucionará a crise demográfica do interior e a crise climática do planeta. Agora, mais do que nunca, é imperativo travar as acções destrutivas de quem nos governa e apoiar as populações em luta pela vida.