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05-02-2022        Jornal de Notícias

Entre as reações ao resultado das eleições, a mais surpreendente será porventura a dos principais dirigentes das confederações patronais e dos banqueiros mediatizáveis. Encontraram uma serena felicidade! Quase afirmam que a maioria absoluta é deles. Em que sentido? Ela liberta o governo de influências nefastas de esquerda. Oferece-lhes a “estabilidade” de que tanto dizem precisar. Cria um quadro favorável à realização de “grandes reformas sempre adiadas” num contexto de “previsível” negociação entre PS e PSD incentivado e mediado, supõem-se, pelo Presidente da República (PR). 

De quem é, de facto, a maioria absoluta? Certamente do PS. E de uma forma mitigada poderá ser reclamada por algumas centenas de milhares de eleitores à sua esquerda, que “votaram útil” neste partido, como forma de evitar a vitória de uma Direita cheia de sombras dos seus extremos antidemocráticos e fascizantes. Ouvir o PS reclamar a maioria é, pois, absolutamente normal. Surpreendente seria ouvir a esquerda que supostamente votou útil fazer o mesmo, apesar da dita maioria ainda ser, um poucochinho dela.

Então, a quem virá a pertencer a maioria absoluta? Que programa político será executado com ela? O das confederações patronais e dos banqueiros? Ou o que António Costa e o PS disseram assumir para “continuar” o que em 2015 se desenhou como rumo possível?

Interpretando o velho reformismo a que atrás aludi e o papel que imagina para o PR, José Silva Peneda escreveu, em artigo de opinião publicado em espaço da Rádio Renascença, no passado dia 2, que “nos programas eleitorais do PS, do PSD e da IL não se encontram diferenças insanáveis” e que, “O país tem a sorte de ter um Presidente da República que já demonstrou estar à altura para transformar esta utopia da concretização de compromissos numa realidade”, enunciando depois as qualidades do Presidente, para concluir que elas “muito podem contribuir para transformar esta ideia numa entusiasmante realidade”. Vai ser esta a missão do PR?

Servir a dois amos em simultâneo nunca foi fácil, e muito menos estabilizador. A Direita, quando propagandeia as “grandes reformas sempre adiadas”, nunca expõe com clareza e verdade a sua substância. Contudo, quando consegue espoletar a sua aplicação, o que emerge é a harmonização no retrocesso na área social e no trabalho, instabilidade na vida da esmagadora maioria das pessoas e o cavar de desigualdades e injustiças.

Será possível a utilização subversiva de uma maioria para velhos concertos de centrão que ela não incorporou? Uma leitura de oportunidade do programa do PS pode, em várias matérias, abrir essa pista, mas António Costa e o PS comprometeram-se, fundamentalmente, com outra “continuação”: de urgente valorização salarial; de criação de emprego qualificado e combate à precariedade; de utilização de recursos do PRR e outros em sintonia com prioridades nacionais; de sistema de pensões público e de repartição, não dependente das bolsas de valores; de um Serviço Nacional de Saúde robustecido e liberto dos oligopólios do setor.

António Costa e o PS poderão não cumprir? Podem. Todavia a sociedade portuguesa não vai hibernar, sabe que uma maioria absoluta potencia autismo político e compadrio, que é preciso mais intervenção e oposição a desvios programáticos. Há uma grande parte da sociedade que está atenta, que não cultiva ilusões, nem se submete a subversão de compromissos.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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