Participei, recentemente, numa conversa em torno do livro Novas e Velhas Extremas-Direitas, organizado por Cecília Meireles e João Mineiro (2021). Na introdução, salienta-se a discrepância entre a ambiguidade discursiva e a eficácia da comunicação da extrema-direita.
Lê-se o seguinte: “As mensagens podem ser inverosímeis porque são dirigidas a quem lhes é sensível. Por detrás desta transformação oculta-se o programa essencial da nova extrema-direita: o fim da esfera pública e a morte da politica” (p. 13). No final do debate, um dos presentes perguntou sobre as falhas da esquerda no cenário de ascensão da extrema-direita. A reflexão é urgente, mas deve ser alargada à democracia.
A esquerda, pelos princípios que defende e pela história de luta que a constitui, estará mais bem equipada para ir na frente, mas a direita civilizada não pode ignorar os perigos.
Fazer a reflexão necessária não é aceitar todas as perguntas e cair nos buracos lógicos dos raciocínios infantis da extrema-direita, como aconteceu com Rio, armadilhado numa discussão extemporânea e equivocada sobre prisão perpétua.
É preciso questionar os termos do debate, desarmadilhar o discurso, identificar o cenário alargado das perguntas e revelar o que elas não contam.
Usar a bandeira da prisão perpétua no combate ao crime e à corrupção equivale, em raciocínio, a pregar a abstinência para acabar com as DST. Não é só violento e moralista. Não é por aí que vamos lá.
Defender aquele absurdo é pedir o reforço da vertente punitiva e violenta do estado moderno, historicamente mais inclinada para reprimir os empobrecidos pelo capitalismo e desumanizar os corpos racializados.
Responsabilizar as comunidades ciganas pelos problemas financeiros do país e das famílias não constitui apenas uma agressão a um grupo social e uma estratégia de negação da sua humanidade, o que por si só é inaceitável.
A narrativa que inventa culpados, esconde a agenda de substituição do Estado social, e suas responsabilidades na educação, na saúde, na justiça, na habitação e no trabalho por um Estado punitivo, que, em vez de proteger, seleciona com base em critérios racistas, classistas e misóginos.
De onde vem a vulnerabilidade a uma narrativa ficcionada? Na ausência de uma visão de classe que desconstrua o mito da meritocracia, vem da tentação de culpar o outro pelo insucesso individual.
Porque se torna credível? Porque esse “outro” foi historicamente construído e sustenta-se no legado racista e patriarcal que tantos democratas teimam em negligenciar.
O ressentimento alimenta-se do falhanço das promessas capitalistas e de um horizonte de possibilidades reduzido, mas ganha forma em cima de divisões sedimentadas, que foram a grande ausência dos debates relâmpago que antecederam a campanha.
Enquanto a política de horário nobre não incluir as vozes do antirracismo e do feminismo será muito mais difícil desconstruir as narrativas que culpabilizam os corpos racializados e diminuem as mulheres.
Para proteger a democracia, não basta que nos indignemos com as palavras, é preciso não aceitarmos os silêncios.