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06-12-2021        Público

Portugal deve executar medidas de sensibilização para educar a população, especialmente o público vulnerável ao trabalho forçado. O trabalhador vulnerável nem sempre está consciente dos riscos que corre.

No dia 23 de dezembro de 2021, o Protocolo de 2014 à Convenção sobre o Trabalho Forçado, de 1930, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entrará em vigor em Portugal.

Adotado pela Conferência Internacional do Trabalho, na sua 103.ª sessão, realizada em Genebra, em junho de 2014, Portugal acompanhará a Alemanha, França, Reino Unido, Suécia, entre tantos outros Estados-membros da OIT, a fortalecer o compromisso no enfrentamento a todas as formas de trabalho forçado, o tráfico de seres humanos e práticas análogas à escravatura.

A adoção do Protocolo é um sinal político importante para eliminar essas formas violentas de exploração.

O Protocolo é um instrumento jurídico vinculativo que exige medidas de prevenção, proteção e reparação para combater o trabalho forçado. É acompanhado pela Recomendação n.º 203 que fornece orientações práticas sobre a adoção e o reforço de políticas de enfrentamento, sempre observando às disposições do Protocolo. Era necessário atualizar a Convenção de nº 29, de 1930, amplamente adotada, mas instituída em um contexto sócio-político e económico muito diferente do atual.


O tamanho do problema

Dados da Organização Internacional do Trabalho, em 2017, apontam que cerca de 40,3 milhões de pessoas, crianças incluídas, são vítimas de diversas formas de escravatura moderna no mundo inteiro. Destas, quase 25 milhões de pessoas, exploradas em trabalhos forçados.

A OIT estima ainda que os setores económicos de risco sejam a agricultura, construção civil, indústria têxtil, mineração, a indústria do sexo entre outros que variam conforme a geografia económico-cultural.

Em geral, são trabalhos de pouca ou nenhuma qualificação, em que, ignorando o trabalho infantil, pode ser reduzido a indivíduos com nenhum ou poucos anos de estudo formal, sem recursos de natureza económica e com poucas ou nenhuma opção de renda. Dependendo do perfil de trabalho pode variar em género e faixa etária, por exemplo, para homens jovens em caso de trabalhos que demandem esforço físico intenso.

Quanto à exploração sexual, é necessário ressaltar que não se trata de prostituição. Mas de um negócio que envolve aliciamento, sequestro, apreensão de documentos, servidão por dívidas, coerção e as ilegalidades associadas a este tipo de atividade.


O que fazer agora?

Portugal deu um passo importante, em meio a uma crise pandémica que levou muitas vidas, empregos e empresas.

Um passo importante em uma longa caminhada, pois não se trata apenas de fiscalizar e punir empresas e pessoas, mas recuperar, capacitar e integrar o trabalhador resgatado nessas condições de exploração. Isso em uma perspetiva coercitiva e corretiva, pois não há efetivo combate que deixe de incluir a prevenção ao problema. Não é uma tarefa a ser conduzida isoladamente. Ela deve entrar na agenda política de fato, estrategicamente, incluindo organizações da sociedade e o mundo empresarial.

Portugal deve executar medidas de sensibilização para educar a população, especialmente o público vulnerável ao trabalho forçado. O trabalhador vulnerável nem sempre está consciente dos riscos que corre, daí a importância dessa medida.

De uma forma geral, a população e as associações de trabalhadores são aliados importantes na prevenção e no combate a essas formas de exploração, ao identificar situações de trabalhos forçados e multiplicar os esforços investidos.

Outra medida importante é o trabalho a ser feito com empregadores. A orientação, formação e integração desses no enfrentamento ao problema, permite criar uma rede de empresários conscientes que pode evitar o envolvimento direto e indireto, em sua cadeia produtiva, isolando o problema e contribuindo para eliminar essa exploração.


Experiências positivas pelo mundo

Países com graus diversos de exposição ao problema têm políticas de enfrentamento, algumas inovadoras, que podem e devem ser disseminadas e inspirar outros a adaptá-las à sua realidade.

No Reino Unido, o Modern Slavery Act 2015, é um exemplo de como o Estado pode enfrentar o problema. O objetivo é explícito: combater o tráfico humano e a escravidão moderna. De uma maneira geral, é um esforço em aumentar a capacidade dos tribunais para garantir que os perpetradores recebam punições, incluindo sentenças de prisão perpétua. Também aumenta o apoio e a proteção das vítimas e, destaque-se, exige que as organizações comerciais que fornecem bens ou serviços e têm um volume de negócios total mínimo de £36 milhões por ano, preparem uma declaração sobre escravidão e tráfico de pessoas para cada exercício financeiro. A declaração deve estabelecer as medidas que as organizações tomaram para garantir que a escravidão moderna não ocorra em seus negócios ou cadeias de abastecimento.

O Brasil também deu alguns bons exemplos com o lançamento de campanhas de sensibilização sobre o tema; a formulação do Plano de Erradicação do Trabalho Escravo, a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), responsáveis pela libertação de 1015 trabalhadores somente em 2021, e do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo. Outra inovação recente, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, o Sistema Ipê e o Fluxo Nacional de Assistência às Vítimas do Trabalho Escravo. O sistema recebe denúncias de trabalho análogo ao de escravo e o fluxo estabelece uma diretriz para proporcionar um atendimento especializado e sistematizado às vítimas resgatadas.

São exemplos de boas práticas que todos devem conhecer. Principalmente, o Estado, em todos os seus níveis. Ao contrário do que muitos pensam, em maior ou menor escala, com tipologias diferentes (rural ou urbano, indústria do sexo, imigrante e migrantes, trabalho infantil, entre tantos outros) essas formas contemporâneas de escravidão ou escravidão moderna, como é mais conhecido, ocorrem em países pobres e ricos. Não existe distinção.

Cabe aos países, na medida do possível e de acordo com as próprias necessidades, se preparar para dar uma resposta e, nas possibilidades existentes, ir além do Protocolo e produzir políticas de educação e renda que reduzam ou eliminem as condições de pobreza.


O que podemos esperar?

Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), entre os seus 17 objetivos, tem no 8.7 um apelo aos governos para “tomar medidas imediatas para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.

Pode parecer distante, mas não é. A complexidade e transversalidade do tema demanda amplo diálogo social. Agrave-se que estamos todos em uma encruzilhada para reduzir os estragos provocados pela pandemia. Momentos assim expõem fragilidades e inflamam os discursos em busca de soluções. Mas a questão que se coloca é como saímos do discurso fácil e entramos nas práticas que, por mais difíceis que sejam, irão de fato encaminhar as soluções para o problema.

Entende-se que, para o enfrentamento efetivo desse problema, é necessário que o tema entre na agenda política de fato, que engaje parlamentares, empresários, governos e a sociedade. Sem isso, compromissos assumidos tendem a ser esquecidos, negligenciados ou adiados.

Leis e compromissos que não são respeitados ou que dependem de condições que nunca ocorrem, enfraquecem a crença nas instituições democráticas e na nossa capacidade, como civilização, de superar problemas que deveria


 



 
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