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13-11-2021        Jornal de Notícias

De tão habituados que estamos, em resultado de anos e anos de garrote nos salários e quase-estagnação económica, temos dificuldade em conceber uma outra economia em que seja difícil comprar. Até há bem pouco tempo foi difícil vender: as empresas não conseguiam vender nos mercados externo e interno os bens e serviços por elas produzidos; os trabalhadores não vendiam as suas capacidades, a sua força de trabalho, nos chamados mercados de trabalho. Em linguagem da economia foram tempos de escassez da procura.

É verdade que aquele cenário ainda não desapareceu totalmente e estamos num contexto de imensas contradições, mas agora há sinais estranhos que configuram escassez da oferta. Parece termos entrado num tempo em que é difícil comprar. Muitas empresas sentem dificuldade em comprar matérias-primas e outros materiais e em contratar trabalhadores dispostos a aceitar o salário e as condições de trabalho por elas oferecidos. Também muitos trabalhadores, enquanto consumidores, se deparam com ocasionais dificuldades em encontrar bens ou até quem lhes preste pequenos serviços de reparações e outros nas suas casas.

As explicações para a dificuldade de comprar são diversas. Conhecemos bem duas delas: i) trabalhadores portugueses, em particular jovens, procuram salários decentes no estrangeiro, logo escasseiam em Portugal em diversos setores, desde a construção civil à saúde; ii) há cadeias de abastecimento que se rompem em consequência da pandemia e de politicas de gestão que procuram reduzir os stocks a zero, tornado o fluxo de matérias-primas, de materiais e produtos finais vulnerável face a qualquer perturbação.

Uma terceira causa começa agora a tornar-se visível: empresas portuguesas, nomeadamente da construção civil, respondem à procura que abunda na Europa em detrimento da que existe em Portugal. Para esse efeito, deslocam os seus trabalhadores para o estrangeiro em vaivém semanal, semelhante ao anteriormente praticado em território nacional. Do ponto de vista estatístico estes trabalhadores não são emigrantes: continuam a contar como residentes no território nacional, tanto como os CEO contavam no tempo em que se deslocavam dia sim dia não em jatinhos por esse mundo fora. Os trabalhadores que se deslocam contam estatisticamente para o emprego em Portugal. Todavia, não é em Portugal que trabalham e não é aqui que criam riqueza.

Só à luz destas novas tendências é possível compreender que, numa economia que se mantem abaixo do nível de 2019, exista menos desemprego. Quem celebra como um sucesso os dados estatísticos do desemprego recentemente divulgados, entende muito pouco do que se está a passar em Portugal, na Europa e no mundo.

A desvalorização salarial praticada ao longo de décadas é uma grande causa do bloqueio da economia portuguesa. No entanto, empresários que se queixam da falta de trabalhadores, persistem nos baixos salários e na defesa de um perfil da economia condenado. Na tentativa de nos iludirem quanto aos salários que estão a oferecer, é comum referirem-se a valores brutos acrescidos da comparticipação patronal para a segurança social. O truque não ilude a realidade, mostra apenas que também se preparam para clamar pela descida da taxa social única.

Uma economia de pernas para o ar custa-lhe a produzir e a crescer, mesmo quando existe procura e recursos disponíveis para o investimento e para o consumo.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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