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11-11-2021        Jornal de Leiria
“Porque morreu Danijoy?” lia-se nas mensagens de divulgação das manifestações do dia 6 de novembro, que reagiram à ausência de esclarecimentos sobre a morte do jovem de 23 anos à guarda do Estado no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
 
“Vidas negras importam”, “o racismo mata”, “racismo institucional é herança colonial”, “Prisões: um mundo oculto onde o racismo é um culto” foram algumas das frases inscritas em cartazes da concentração de Coimbra, que mobilizou muito menos pessoas do que uma morte por explicar faria esperar, não fosse a hierarquia entre corpos definida a partir de uma normalidade inventada, que seleciona uns e desumaniza outros.
 
O racismo existe em Portugal e, em 2021, não há delírio lusotropicalista que desminta o que os factos mostram, as lutas antirracistas sinalizam e os cientistas sociais corroboram. Negar o racismo estrutural é tão serôdio e perigoso quanto rejeitar a vacinação e as máscaras.
 
Lemos e ouvimos “Vidas negras importam” na sequência do vídeo que mostrou ao mundo como morreu George Floyd e apontou para um espaço não coberto pela proteção da lei. É curioso como a serenidade de alguns foi perturbada pela afirmação, mas permanece intocada perante violências exercidas sob corpos negros com a cumplicidade dos Estados. Aborrece-lhes mais a luta do que o sofrimento injusto.
 
No “Todas as vidas importam” das constituições e dos direitos humanos, algumas vidas importaram sempre mais do que outras e muitas foram reiteradamente silenciadas e objetificadas. Ignorar a diferença entre o direito escrito e a prática do direito resulta do privilégio de não ter que pensar sobre isso.
 
Organizações em luta e movimentos em todo o mundo têm-nos devolvido vozes de intelectuais e ativistas não brancos, desviadas dos livros com que aprendemos o que é história, cultura, conhecimento ou violência. Nas universidades faz-se também esse movimento, de forma lenta e com muitas resistências.
 
As redes sociais são espaço de desinformação, mas podemos contrariar as nossas bolhas e buscar reflexões de ativistas que sabem do que falam. Mamadou Ba ou Maria Gil, em Portugal, são apenas exemplos. Tenho aprendido sobre a opressão estrutural que me atravessa, na forma como interfere na organização do meu pensamento e no sentido que atribuo ao que encontro.
 
Nesse caminho, vou descobrindo os meus equívocos, os meus enviesamentos e como estão inscritos nas estruturas da sociedade em que cresci. E se isso é responsabilidade acrescida, é também libertador, porque revela o mundo a partir de vários lugares, permitindo compreender como chegámos aqui e como podemos ir para outro lugar.
 
Sejamos capazes de aprender. E também de educar, porque enquanto os pais de crianças negras não puderem escolher com que idade os filhos aprendem o que é racismo, porque não podem protegê-los da violência racial, todas as crianças precisam saber mais. Não basta tolerar a diversidade.
 
Dizer às crianças que existe uma “cor de pele” é irresponsável. Não se pode ensinar que o branco é a normalidade e esperar que outros tons não sejam vistos com suspeição, por mais que os discursos celebrem a diversidade(zinha). E não se pode continuar a fingir que isto é um problema cultural. É sobre desumanização, distribuição de poder, violência institucional e falhas estruturais da nossa civilização. E é por isso que não podemos esquecer a ausência de explicações da morte de um jovem negro.

 
 
pessoas
Sara Araújo



 
temas
justiça    desinformação    democracia    racismo