Para usar uma má tradução, estamos perante aquilo a que Michel Foucault chamava a "estreiteza da narrativa da história". Nos tempos que correm, não poderíamos esperar que o debate político saísse das lutas de legitimação entre aqueles que ocupam o poder (Sócrates e PS) e aqueles que esperam a hora de o tomar (Passos Coelho e PSD).
Mas deveríamos desejar que crise internacional, que a laceração da política estatal promovida pelas agência de rating e pelo mercado comum, afluíssem em algo mais do que o actual cenário de discussão pública. Longe de um pensamento minimamente estruturado sobre as saídas de Portugal, seja através políticas de reestruturação da economia, seja através de uma contestação da mortandade das periferias anunciada pela união económica, temos o de sempre com algumas variações de vocabulário.
O de sempre é o jogo intestino entre o PS e o PSD, um simulacro de contenda política que se torna real pelos interesses em jogo, e que ganha alguma base ideológica pela diferente convicção com que praticam o neoliberalismo: Passos Coelho quer superar pela direita os génios que levaram à crise especulativa, Sócrates, qual cata-vento das tendências internacionais, já não se importa de lhes dar nova oportunidade.
Os jogos de poder entre PS e PSD são desarmantes para um eleitor de esquerda. Enquanto se fala de pressões internacionais, não se fala de desemprego e pobreza. Enquanto se fala de austeridade, não se fala de desigualdades ou de enriquecimento ilícito (porque ilegal, porque imoral).
Enquanto se fala do tempo de excepção criado pela dívida pública não se fala do tempo costumeiro em que os privilegiados devem aos explorados as condições da sua prosperidade. Enquanto se fala em PS e PSD, não se fala da obrigação da esquerda parlamentar em construir uma plataforma de entendimento para ser alternativa de governo.
Enquanto de fala de política parlamentar não se fala da revolução que acabará por unir os povos à rasca na esquina das avenidas da liberdade. José Sócrates a falar da longa dinastia de PECs que nos governa, Cavaco Silva a instigar os jovens para a determinação da guerra colonial, Passos Coelho a reclamar pela necessidade de privatizar tudo o que dá prejuízo. Isto não é apenas a estreiteza da narrativa histórica em que a vida política portuguesa se conta, é o absurdo feito política à revelia dos seus descontentes. Numa boa tradução, é a altura de os descontentes darem sentido ao absurdo.