A Alemanha, país determinante no presente e no futuro da União Europeia (UE), vai ter novo chanceler. Importa analisar-se com atenção a herança que os governos de Angela Merkel nos deixaram, e estarmos atentos à solução que agora for encontrada para formação do novo Governo.
O quadro institucional pelo qual a União se rege foi moldado tendo a estratégia e os interesses da Alemanha no centro. Além disso, a UE não tem políticas externas (comerciais e outras) ou de defesa, verdadeiramente comuns: são os países que as definem.
A Alemanha é o país da UE em melhores condições para puxar pela (re)industrialização e para influenciar as políticas externas, contudo, se se concretizar uma guerra comercial dura entre o "Ocidente" e a China, as suas fragilidades vão aumentar face à sua dependência energética da Rússia e de mercados perante a China. Isto, quando o eixo da geoestratégia e da geopolítica se deslocou para o Pacífico, dando visibilidade a velhos sonhos imperiais, nomeadamente da França, que tudo fará para colocar os cidadãos europeus a pagá-los.
Nos comentários políticos surgem análises carregadas de elogios à figura e obra da quase ex-chanceler alemã. É verdade que Merkel teve posições humanistas sobre os refugiados, percebeu as opções de secundarização da Europa Continental tomadas pelos Estados Unidos da América, e pode ter contribuído alguma coisa para que o "Projeto Europeu" não esteja já feito em cacos. Todavia, no seu tempo a Inglaterra pôs-se ao fresco; vários países do Leste andam na fronteira do tem-te-não-caias; Merkel foi complacente com o bafiento poder húngaro que se alastra e impulsionou as injustas políticas de austeridade; o Mundo está em grandes mudanças, com a Europa a perder peso; e termina o mandato parecendo não saber (será?) o que fazer com o Pacto de Estabilidade perante o esforço feito para responder aos impactos da pandemia.
Que alianças se concretizarão na Alemanha para suportar o novo Governo e com que base de compromissos? O que sobrará para nós, portugueses? Utilizando a linguagem dominante direi que não existirão mudanças radicais. Contudo, a carga já nos será muito pesada se persistirem regras e fundamentalismos do Pacto de Estabilidade e o regresso às velhas políticas do Banco Central Europeu e se, no plano nacional, não se sacudir o fundamentalismo orçamental.
Os que pregam que a "bazuca" tudo resolverá estão a enganar-nos. Acresce a necessidade de se perceber bem a aplicação que esse dinheiro terá. No PRR estão identificados meios financeiros para reforçar capacidades do Estado em áreas fundamentais para as pessoas, pensando na sua saúde, formação, habitação e infraestruturas, mas aquele fundamentalismo, apoiado pelas pressões de grandes interesses privados, pode impedir que o dinheiro chegue a horas, ou que até nunca chegue aos destinos que devia ter.
Um famoso provérbio aconselha-nos a oferecer a cana de pesca e a ensinar a pescar, em vez de oferecer o peixe. Quando refletimos sobre o que se vai desenhando para a aplicação do PRR, pairam no ar cenários de pressão para que se ofereça o peixe e muito rápido. Se assim for os poderosos deitarão mão ao peixe graúdo, ficando para o povo uns jaquinzinhos de poucos gramas.