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01-01-2022        Focus Social

O conceito de empresa social tem vido a ganhar popularidade internacionalmente, quer no seio da academia quer das políticas. A Comissão Europeia tem impulsionado este conceito, por exemplo, com a chamada Social
Business Innitiative, lançada em 2011, e apresenta a seguinte definição: Uma empresa social é um operador na economia social cujo principal objetivo é ter um impacto social, em vez de gerar lucros para os seus proprietários ou acionistas. Atua fornecendo bens e serviços para o mercado de forma empreendedora e inovadora e utiliza seus lucros principalmente para atingir objetivos sociais. É gerida de forma aberta e responsável e, principalmente, envolve colaboradores, consumidores e partes interessadas afetadas pela sua atividade comercial (1).

Segundo a Comissão Europeia, as empresas sociais podem assumir várias formas jurídicas como cooperativas
sociais, sociedades comerciais, associações mutualistas, associações, fundações, etc. A pluralidade de formas legais das empresas sociais é também identificada no estudo Social Enterprises and Their Ecossystems in Europe (Comissão Europeia, 2020). A Comissão Europeia identifica, ainda, um conjunto de áreas de atuação das empresas sociais, como a formação e a integração pelo trabalho de pessoas em situação de desvantagem, os serviços no campo da saúde, educação, apoio à infância, à terceira idade e à deficiência, o desenvolvimento local de territórios em situação de desvantagem, a proteção ambiental, o desporto, a arte e a cultura, a ciência ou a proteção dos consumidores.

O conceito de empresa social não se encontra institucionalizado em Portugal, sendo que a única referência legal que existe, por enquanto, é no Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.°111-B/2017, de 31 de agosto).
Para conhecer o que são empresas sociais em Portugal, o projeto TIMES - Trajetórias Institucionais e Modelos de Empresa Social em Portugal (2) desenvolveu um estudo qualitativo aprofundado, na linha da abordagem europeia às empresas sociais. Construiu-se e testou-se uma tipologia de empresas sociais a partir de uma análise histórico-institucional e de um conjunto de características organizacionais nas dimensões social, económica e de governança, definidas no âmbito da Rede EMES - International Research Network e do projeto ICSEM - International Comparative Social Enteprise Models.

Num segundo momento do projeto procurou-se perceber como as empresas sociais respondem a desafios sociais e societais e como são influenciadas e influenciam os quadros institucionais. Neste texto, apresentam-se, sucintamente, os resultados desta investigação tendo em consideração os dois momentos da investigação, os modelos de empresa social em Portugal, e o modo como contribuem para responder a problemas sociais e societais.

Uma tipologia de empresas sociais em Portugal

A partir de entrevistas a atores-chave, análise documental e 15 estudos de caso em profundidade, foi possível identificar cinco modelos, que consideramos tipos-ideais, de empresas sociais em Portugal e, em comparação com os resultados do projeto ICSEM, foi possível perceber que estes modelos possuem proximidade com os clusters encontrados nos países da Europa Ocidental. Foram também identificados aspetos em comum com outros países do Sul da Europa, como a França e a Espanha, nomeadamente no que diz respeito a uma forte ancoragem das empresas sociais na economia social (Petrella et al. 2021). Passamos então a descrever estes tipos ideais, tendo em conta as dimensões social, económica e de governança.

O modelo das cooperativas sociais e das mutualidades caracteriza-se por ter uma origem nas tradições mutualista ou ética, originadas em grupos de trabalhadores ou cidadãos, com missões sociais e ambientais que vão para além do benefício dos membros, existindo limitações à distribuição de excedentes. Economicamente existe uma forte hibridez de recursos, incluindo desde subsídios a contribuições dos membros e vendas, sendo que as atividades comerciais se relacionam com a missão. Em termos de governança, dado que em geral são cooperativas e mutualidades, funcionam com os órgãos democráticos típicos destas organizações, com uma presença de várias partes interessadas na tomada de decisão.

O modelo das organizações não lucrativas empreendedoras tem, geralmente, origem nas tradições altruísta ou comunitária, origem na mobilização de grupos de cidadãos, com uma missão moldada pela parceria com o Estado e orientada para a efetivação dos direitos sociais. É proibida a distribuição de excedentes. Economicamente existe uma hibridez de recursos que inclui comparticipações do Estado e dos utilizadores, subsídios, donativos e, mais limitadamente, vendas. Estas últimas podem estar relacionadas com a missão ou ser instrumentais. A governança, sustenta-se nos órgãos formais das organizações, existindo uma fraca mobilização dos membros, dada a pressão para a profissionalização da tomada de decisão.

As empresas sociais de integração pelo trabalho inserem-se numa tradição altruísta ou mutualista, tendo, muitas vezes, origem em organizações não lucrativas. A sua missão é a inclusão social através da inclusão laboral e os excedentes produzidos podem ser reinvestidos na organização-mãe. Em termos económicos, os recursos provêm das vendas dos seus produtos e serviços, complementados com subsídios. A missão é prosseguida através da participação no mercado. Em termos de governança, no caso de unidades produtivas dentro de organizações não lucrativas existe uma fraca participação dos envolvidos. No caso de organizações autónomas, como cooperativas, esta participação é elevada e envolve várias partes interessadas.

O modelo das empresas da economia solidária ancora-se numa tradição comunitária ou ética, tendo origem em habitantes, trabalhadores ou/e cidadãos. A missão está frequentemente articulada com os territórios onde se inserem. A distribuição de excedentes pelos membros pode ser possível dentro de limitações definidas pela forma jurídica cooperativa. Em termos económicos defendem e praticam formas alternativas de economia combinando a reciprocidade e as trocas mercantis. As suas atividades comerciais são parte da sua missão alternativa. Em termos de governança, para além dos órgãos formais típicos das cooperativas ou associações, podem praticar outras formas de participação como a sociocracia, estando abertas à participação de não membros como pessoas da comunidade ou das suas redes.

No modelo dos negócios sociais a tradição é do sector privado empresarial ou altruísta. A sua origem é em grupos de cidadãos, mobilizados por um/a empreendedor/a social cuja visão molda a missão da empresa. Em algumas formas jurídicas pode existir distribuição de excedentes. Em termos económicos, os modelos empresariais e mercantis são vistos como permitindo atingir a sustentabilidade, ainda que em fases iniciais dependam de subsídios públicos ou filantrópicos. A governança depende da forma legal que pode ser de associação ou de sociedade comercial. Neste último caso o poder de decisão depende do capital detido. Tendem a envolver vários tipos de partes interessadas como cidadãos, beneficiários e investidores.

A resolução de problemas sociais e societais

Os discursos em torno de conceitos como inovação social, empreendedorismo social ou empresas sociais apontam, em geral, o seu papel na resolução de problemas sociais e societais. Um conjunto de áreas de intervenção são apontadas pelas políticas e quadros legais como o campo de atuação, por excelência, das empresas sociais. Como tal, reconhece-se às empresas sociais o seu contributo para o interesse geral.

Selecionámos quatro áreas de atuação das empresas sociais e procurámos perceber que problemas e soluções são propostas pelas empresas sociais através das suas atividades, que quadros legais as influenciam e como são influenciados pelas empresas sociais. A informação foi recolhida de quinze estudos de caso e quatro focus groups.
 
Na área do emprego e inclusão económica as empresas sociais orientam-se para problemas como o desemprego e a exclusão do mercado de trabalho de determinados grupos sociais, o desajustamento do mercado de trabalho e dos locais de trabalho às características de algumas pessoas, a mercantilização e empobrecimento do trabalho, a precaridade laboral e as desigualdades territoriais. As soluções passam inclusão social pelo económico, a adaptação do trabalho às pessoas, o empreendedorismo cooperativo, o desenvolvimento de respostas multidimensionais aos problemas e a personalização das respostas e a promoção da sustentabilidade dos territórios.

Os quadros institucionais que mais têm influenciado a atuação das empresas sociais relacionam-se com as transformações do Estado-Providência, em especial a evolução do welfare para o workfare, com peso importante dos quadros legais e financeiros da União Europeia, a preferência das políticas pela integração em mercado aberto, e a lógica de financiamento por projeto. A influência institucional das empresas sociais ocorre sobretudo através do desenvolvimento de soluções inovadoras, a sua implementação apoiada por financiamento público e a advocacia em torno de questões como a precaridade laboral.

Na área da inclusão social os maiores problemas são a pobreza e a exclusão social de alguns grupos sociais, comunidades e territórios que, entre outras consequências, limita o acesso aos direitos sociais. Identifica-se também a invisibilidade de determinados problemas ou grupos sociais ou a estigmatização, o racismo e a xenofobia. Outro conjunto de problemas relaciona-se com a existência de lacunas no acesso à saúde, educação e segurança social. As respostas inovadoras assumem uma perspetiva holista e personalizada, centrando-se nas pessoas e percebendo a interdependência das dimensões sociais, culturais, económicas e psicológicas, procuram promover a igualdade de acesso aos direitos sociais, a capacitação de indivíduos e grupos sociais e a capacidade de auto-organização e solidariedade da sociedade.

Os quadros institucionais mais influentes relacionam-se com a evolução do Estado-Providência, desde a sua expansão à sua retração, e à influência de novos quadros em torno de conceitos como inovação e empreendedorismo. A sua capacidade de influência política em termos de advocacia é condicionada pela elevada centralização da administração pública no campo do bem-estar e a falta de organização coletiva. Outras formas de influencia incluem a demonstração e implementação de soluções, a codecisão em parcerias locais, e a influência da sociedade através de informação e sensibilização.

No campo da cultura e das artes os problemas sociais incluem a precaridade laboral dos trabalhadores destecampo, as desigualdades de acesso às artes e à cultura, a desvalorização da cultura popular por parte das elites e a desvalorização da cultura em geral pela sociedade. Apontam também o enfraquecimento dos espaços públicos democráticos e o empobrecimento das subjetividades. As soluções propostas passam pela auto-organização e ajuda mútua dos trabalhadores das artes, a promoção da democracia cultural, a formação artística e cultural de profissionais e do público em geral, a promoção do multi e interculturalismo e da inclusão social.

Os quadros institucionais com influência têm a ver com as inconsistências de uma política cultural e a falta de um apoio decisivo do Estado à cultura, a existência de programas de financiamento públicos, filantrópicos e mercantis que promovem o papel da cultura na inclusão social, na educação, na regeneração urbana ou mesmo no crescimento económico e por um papel muito significativo dos municípios. A influência das empresas sociais ocorre, pela sua presença local, pela criação de espaços de reflexão coletiva e individual através das suas intervenções artísticas, e pela advocacia coletiva em favor de melhores políticas de apoio.

No campo do ambiente e da sustentabilidade, os problemas relacionam-se com a desertificação e insustentabilidade dos territórios, a sobre-exploração dos recursos naturais, os modelos de produção e consumo insustentáveis, a vulnerabilidade gerada pela superespecialização dos territórios e dos trabalhadores, a falta de consciencialização pública para práticas sustentáveis e para a participação cívica. As soluções passam por novas intervenções que perspetivam a interdependência entre o social, o económico, o político e o ambiental, a reutilização de recursos, a regeneração de ecossistema e o uso de recursos renováveis, circuitos curtos de produção e consumo, a mobilização e a auto-organização. Os quadros institucionais que têm mais influência são as políticas europeias para a área e a sua implementação lenta nas políticas nacionais, existindo uma falta de reconhecimento e políticas específicas para a atuação das empresas sociais neste campo. A influência das empresas sociais ocorre através da experimentação e demonstração de soluções sustentáveis, a advocacia e a consciencialização em prol de um planeta mais sustentável.

Conclusão

Apesar das dúvidas e das hesitações em torno de um conceito que não nasceu em Portugal, nem tem ressonância na maior parte dos atores que constituem os seus ecossistemas, consideramos que a tradição europeia do estudo das empresas sociais permite olhar para o campo vasto e diverso de organizações inovadoras e híbridas deste terceiro sector entre o Estado e o sector privado lucrativo sublinhando, por um lado, as interdependências institucionais e históricas com os outros sectores e as características organizacionais que têm em conta, não só as dimensões económica e social, mas também a dimensão política. Esta dimensão é valorizada internamente, pela atenção às formas de governança, mas também externamente, pela atenção ao modo como as empresas sociais participam na governação societal. O estudo teve um caráter qualitativo aprofundado que pretendeu construir tipos-ideais, apenas levantando o véu de um campo empírico riquíssimo que merece continuar a ser estudado. 

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1) https://ec.europa.eu/growth/sectors/social-economy/enterprises_en
2) Projeto financiado pelo FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do COMPETE 2020 - Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) e por
fundos portugueses através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ref. PTDC / SOC-SOC / 30612/2017
I POCI-01-0145-FEDER-030612. Para mais informações consultar: https://
times.cessuc.pt/

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Referências

European Commission (2020) Social enterprises and their ecosystems in Europe. Comparative synthesis report. Authors: Carlo Borzaga,
Giulia Galera, Barbara Franchini, Stefania Chiomento, Rocio Nogales e
Chiara Carini. Luxemburgo: Publications Office of the European Union.
Disponível em: https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=738&lang
Id=en&pubId=8274&furtherPubs=yes
Petrella, Francesca, Nadine Richez-Battesti, Marta SolórzanoGarcía, e Sílvia Ferreira (2021) "Social Enterprises in France, Portugal
and Spain". Em Jacques Defourny e Marthe Nyssens (orgs.), Social
Enterprise in Western Europe: Theory, Models and Practice. Londres:
Routledge, pp. 271-287. 


 
 
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