Na introdução à "Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho", o Governo explicita que "a pandemia reforçou a importância de aprofundar uma estratégia de política pública orientada para a promoção do trabalho digno, em particular para grupos como os jovens, desde logo para que o momento de recuperação económica possa ocorrer num quadro de maior sustentabilidade e qualidade do emprego".
Com efeito, a pandemia expôs a fragilidade de muitas relações e vínculos de trabalho, a violência das precariedades e as injustiças a elas associadas, que tanto sacrificam os jovens, e trouxe novos desafios à economia.
O "momento de recuperação económica" é tempo de articular a melhoria do perfil da economia com transformações qualitativas no emprego, na legislação do trabalho, no reforço da proteção social. O primeiro desafio devia ser o ataque ao círculo vicioso: baixos salários, vínculos precários, baixas qualificações. Todavia, a Agenda proposta pelo Governo passa-lhe ao lado, opta por um programa de medidas avulsas para mitigar alguns efeitos das precariedades e introduzir pequenos ajustes - nem todos positivos - em regimes de contratação e formas de prestação do trabalho que se foram enraizando no limite da lei ou à margem dela.
A organização empresarial e a organização do trabalho, nos setores privado e público, vão evoluindo, há trabalho sazonal e atividades temporais, mas não se pode deixar amadurecer "novas realidades organizacionais" assentes em marginalidades e em engenharias jurídicas do neoliberalismo dominante. O conceito de Trabalho Digno tem no respeito da lei e na valorização do Direito do Trabalho pressupostos fundamentais e, por isso, aponta para políticas de inclusão de todos os trabalhadores em regimes uniformes e coerentes e não para a pulverização de exceções que se tornam produtoras de discriminações.
A proliferação de regimes de exceção e de estatutos específicos - que tendem a aumentar com as plataformas e com processos de trabalho remoto - colocam o Direito do Trabalho a correr atrás de prejuízos e cada vez mais submetido a modelos organizacionais subversivos. O princípio da segurança no emprego jamais pode ser instrumentalizado em nome da liberdade de gestão. A segurança no emprego é pilar fundamental para a organização da vida das pessoas e das famílias.
Mais qualidade de emprego e melhores salários para os jovens serão pura ilusão se continuar o parasitismo associado a prestações de trabalho temporário, a processos diversos de outsourcing e aos esquemas de falso trabalho independente. Por que razão trabalhadores que executam o mesmo trabalho, no mesmo posto de trabalho, são remunerados de forma desigual, em função de vínculos de trabalho ou de processos de subcontratação que se vão inventando? Porque se permite que uma entidade, privada ou pública, que utiliza e beneficia de forma permanente do trabalho de um cidadão, possa engendrar esquemas que lhe possibilita furtar-se à condição de empregador? Uma empresa de comunicações que tem trabalhadores nos seus call centers, a executar atividades essenciais e permanentes para o seu objeto, pode estar desobrigada de garantir segurança a esses trabalhadores?
Encanar a perna à rã não resolve os problemas. Há que atacar as causas estruturais com empenho para evitar o envelhecimento acelerado, mais desigualdades e pobreza.