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09-07-2021        Expresso

Não.

Há três razões principais para a minha resposta.
1.A criação do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em 1999, seguiu-se à criação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) em 1998. O objetivo era dispor, na fase anterior ao julgamento, de duas estruturas especializadas- uma para as funções do Ministério Público (DCIAP) e outra do juiz de instrução (TCIC)- para a resposta à criminalidade altamente organizada ou de especial complexidade e de dispersão territorial, com destaque para a criminalidade económica. A prevenção e o combate a essa criminalidade deve mobilizar as políticas públicas para o reforço da capacitação e da especialização dos organismos judiciais e dos seus agentes, designadamente através de formação contínua obrigatória, e não para o seu enfraquecimento. A possibilidade de distribuição desses processos, altamente complexos e, por isso, com exigências técnicas e de tempo muito diferenciadas, pelos juízes do tribunal de instrução criminal, nos mesmos termos de um processo de criminalidade de pequena e média gravidade, desperdiça experiência e enfraquece profundamente a estratégia de especialização.

2. As reformas devem responder a objetivos estratégicos e fundarem-se em diagnósticos credíveis e democraticamente escrutináveis. No caso, não se conhecem, nem se anteveem. E, em caso algum, pode existir a suspeição de que são feitas em função do “estilo” de determinado juiz. Ora, das declarações de altos responsáveis políticos e do poder judicial é esta suspeita que prevalece. Se a leitura do papel do juiz de instrução, em face da acusação e quanto à salvaguarda de direitos, liberdades e garantias fundamentais dos arguidos, por parte do juiz Ivo Rosa, não se afastasse muito da do Juiz Carlos Alexandre estaríamos a discutir essa fusão? Essa suspeição é tão mais legítima quanto até ao "Caso Sócrates", apesar de outros "casos" do passado, nunca se ter avançado para tal solução. Diferentes leituras do direito e da sua aplicação são fundamentais para a inovação jurisprudencial e para o processo dinâmico de criação do próprio direito. Diversos estudos evidenciam o papel pioneiro da jurisprudência (o contrário também ocorre) em várias áreas. A composição da maioria dos juízes de instrução dos tribunais de comarca é de 2 juízes e é expectável que tenham perspetivas diferentes sobre a interpretação e aplicação da lei. Seria absurdo propor a sua extinção ou fusão por esse motivo.

3. As medidas cirúrgicas devem ser tomadas apenas quando se demonstre a sua inevitabilidade e não podem ser disruptivas. Compreende-se que a perceção da opinião pública de "bipolaridade" do TCIC em casos hipermediatizados, com dois juízes, um em quase permanente conflito com o Ministério Público e outro muito próximo deste, possa ser corrosiva para a ação e a legitimidade social da justiça. Os poderes, político e judiciário, na medida das suas competências, não podem deixar de estar atentos a esse fenómeno. No caso, bastaria colocar no TCIC mais um juiz, como já existiu no passado. Dada a elevada complexidade dos processos que entram neste tribunal, o volume de trabalho não pode ser mensurável através do número de processos entrados. Deve ser feito um levantamento e projeções credíveis sobre o volume de trabalho e se ele justifica a colocação de um terceiro juiz. Os indicadores que se conhecem apontam nesse sentido. Mas, ainda que esse levantamento indique o contrário, há outras soluções que devem ser ponderadas, como a possibilidade de acumulação com trabalho em outro juízo de instrução ou o alargamento das competências do próprio Tribunal Central de instrução Criminal. 


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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