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10-07-2021        Jornal de Notícias

É preciso ou não reforçar apoios às micro, pequenas e médias empresas? O que existe de verdade na ideia, de senso comum, de que somos um país com um número desmesurado de empresas deste tipo? A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em recente Relatório sobre a matéria, releva a importância daquelas empresas no contexto das respostas aos impactos da pandemia, diz-nos que Portugal foi o segundo país da zona euro que menos gastou a apoiá-las (e o que pior disseminou o volume financeiro disponibilizado) e identifica razões pelas quais elas têm mais dificuldades em candidatar-se a programas de apoio e a ultrapassar obstáculos na sua relação com as instituições.

Numa entrevista divulgada pelo Expresso a 20 de junho, Luís Valente de Oliveira, responde a uma pergunta sobre o que mudaria nos incentivos relativos ao próximo quadro comunitário dirigidos ao apoio às micro, pequenas e médias empresas, nos seguintes termos: “Temos uma necessidade imensa de médias empresas inovadoras e robustas. É preciso aumentar a escala dos beneficiários e o grau de inovação dos projetos apoiados pelos incentivos europeus. Não se pode continuar a dar milho aos pardais.” Será que o problema é o excesso de milho dado os pardais, como na sequência daquela afirmação insinuaram múltiplas vozes de avantajados passarocos?

Basta consultar o Relatório da OCDE para constatar que os pardais não tiveram direito ao milho que lhes devia pertencer e que é preciso cuidar deles bem melhor. A falta de atenção às pequenas empresas provocaria um doloroso aumento do desemprego. Contudo, há várias questões a clarificar sobre o número total das microempresas que temos, e sobre um acréscimo de dificuldades com que as pequenas e médias empresas se deparam em Portugal.

Segundo o referido Relatório, o amplo e diferenciado conjunto das empresas que vai das micro até às médias representa, no geral dos países da OCDE, cerca de 99% do total das empresas. Em Portugal a percentagem sobe umas décimas. Porquê? Porque temos 920 595 empresas com zero trabalhadores. Trata-se, em imensos casos, de auto-emprego forçado, gerando uma nebulosa de “empresas individuais por cota de outrem”, quando muitos desses trabalhadores deviam ter direito a contratos de trabalho e a salário digno. Em vez de políticas laborais e de formação que articulem responsabilidades individuais e coletivas, prega-se e impõe-se o “faz-te à vida e sê empreendedor”.

A microestrutura e os meios limitados das pequeninas empresas dificultam-lhes o acesso a programas de apoio e à operacionalização de procedimentos junto das instituições com que têm de lidar. No nosso país estes problemas são agravados pela baixa formação de muitos empresários, pela insuficiência de redes de cooperação e informação que o Estado deve impulsionar, pelas dívidas à segurança social e ao fisco.

As respostas estruturais a estes problemas estão associadas a políticas de carater geral que é preciso promover, nomeadamente: i) uma cultura de valorização dos direitos e deveres no trabalho em vez das modernices patéticas de tratar todos como “colaboradores” e de levar a panaceia do empreendedorismo até à náusea; ii) rigor nas obrigações recíprocas entre entidades privadas e o Estado; iii) mais investimento, nacional e estrangeiro, com criação de emprego de qualidade que potencie a formação que os jovens vêm fazendo; iv) melhorar a margem de manobra na política orçamental.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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