O que será o trabalho no futuro e quais os instrumentos de trabalho preponderantes? Sugerir que tudo vai ser novo é um exercício perigoso a resvalar para a fraude. A trabalhadora da limpeza industrial - utilizando os instrumentos de hoje e outros mais tecnológicos - fará parte do trabalho do futuro tanto quanto o nómada digital, ou quanto o cirurgião que utilizará a inteligência artificial. Os trabalhadores agrícolas e grande parte dos atuais trabalhadores de serviços são contemporâneos dos que trabalham para plataformas de transportes, da comida ou do alojamento, utilizando capacidades do digital, mas precários e muito explorados. Trabalhadores da industria trabalharão com mais robots, todavia, em muitos casos, serão especializados e não muito qualificados.
Partindo de análise construída com alguns companheiros de trabalho, direi que ao Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho falta uma observação consistente sobre o contexto nacional e a análise do enquadramento das políticas da União Europeia, pois limita-se a valorizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, esquecendo dinâmicas anti laborais em curso. Para além desses défices, enfoca demasiado o pressuposto do novo (tecnológico, digital, trabalho remoto, inteligência artificial), analisado de forma afunilada na dimensão económica e tecnológica. Os objetivos de melhoria de condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e a necessária identificação (e medidas de precaução) dos impactos das mudanças na segurança social ou na proteção social mereciam mais atenção.
As precariedades laborais constituem um gravíssimo problema na sociedade portuguesa. Ao longo do tempo proliferou o desrespeito do Direito do Trabalho, a criação de “empresas de cedência de mão de obra” e formas diversas de exteriorizar o emprego. Isso gerou um dualismo que coloca lado a lado trabalhadores que muitas vezes desempenham a mesma atividade, mas com vínculos e salários desiguais: tudo para que o beneficiário da atividade fuja ao estatuto de empregador normal. Em vez de se identificarem as irregularidades reconduzindo-as ao enquadramento legal, foram criadas novas categorias e enquadramentos de trabalhadores mais fragilizados e mal pagos. Agora em torno da discussão do trabalho remoto paira no ar a ampliação desses dualismos nos planos remuneratório, do tempo de trabalho ou das condições previdenciais. Trabalhadores desprotegidos e com baixos salários são presa fácil para manipulações. Não se adie mais o combate à precariedade.
É recomendada a promoção da Contratação Coletiva, mas tal objetivo não é atingível sem se reequilibrar as relações de trabalho e sobre isso nada se diz. O estado de necessidade em que se encontram muitos sindicatos leva a que parte da nova negociação seja um cardápio de perda de direitos laborais. A negociação coletiva é instrumento fundamental para equilibrar as relações de trabalho, combater desigualdades, melhorar as políticas salariais, definir e estabilizar carreiras, garantir sistemas de avaliação com impacto real e positivo para os trabalhadores, enquadrar mudanças organizacionais, tecnológicas e outras, e para assegurar boas culturas organizacionais,
O ser humano tem de estar sempre no centro, em todas as formas de organizar e regular o trabalho. E, com mais ou menos tecnologia, o Estado tem a obrigação de garantir condições de organização e representação coletiva dos trabalhadores.