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19-06-2021        Jornal de Notícias

Na sua intervenção, no dia 10 de junho, o presidente da República interrogou-se, em nome de todos os portugueses, nestes termos: "esta Terra" - o país que somos - "exige mais de nós? Que o não esqueçamos nos próximos anos, não nos limitando a remendar o tecido social ferido pela pandemia, reconstruamos esse tecido a pensar em 2030, 2040, 2050". É mesmo por aqui que vamos, senhor presidente?

Trata-se de um propósito positivamente transformador da vida dos portugueses, com duas exigências de partida: i) a sociedade portuguesa - começando pelo presidente - ser capaz de romper com a tolerância e condescendência face à pobreza; ii) não sermos embrenhados na discussão de soluções mágicas para daqui a décadas, como forma de escamotear os problemas do presente, que é contínuo.

A profunda relação entre o trabalho, o emprego e a proteção social está no cerne de qualquer estratégia para reconstrução do tecido social. É preciso valorizar o trabalho e criar mais e melhor emprego, o que passa por reforçar e qualificar o tecido produtivo e garantir os direitos sociais e laborais às pessoas. Nestes campos, há que pôr de lado as políticas de remendos e dar passos consistentes que rompam com posturas oportunistas ou tacanhas muito enraizadas na sociedade.

O tecido produtivo está deslaçado, não basta fazer-lhe chegar dinheiro. Se a economia for tratada apenas como negócio, alavancada por um forte pendor de importações e assente numa dimensão desproporcionada de serviços de baixo valor acrescentado e de baixos salários; se continuarmos com relações intersetoriais não entrosadas e desequilíbrios regionais sistémicos, não se geram bases para reconstruir o tecido social. Mude-se de agulha nas políticas económicas e assegure-se um sistema de relações laborais em condições de dar efetividade ao diálogo e à negociação coletiva.

O sistema de proteção de que precisamos exige compromissos de solidariedade social estruturada. Cidadãos persistentemente dependentes da caridade de outrem perdem a dignidade e a liberdade e são reprodutores de pobreza, em todo o espaço das suas relações sociais. É indispensável reforçar o sistema de segurança social. Isso depende, em primeiro lugar, do volume de emprego, do valor dos salários e da existência de vínculos laborais para todos os trabalhadores - portugueses e imigrantes. Na maioria das situações a precariedade só tem uma justificação: ser instrumento de redução da remuneração do trabalho. E um trabalhador que roda de emprego em emprego tende a usufruir de um salário cada vez menor.

Os setores políticos e económicos que aproveitaram a anterior crise para instabilizar as relações de trabalho e transferir, injustamente, riqueza e poder do trabalho para o capital gritam agora, sem vergonha, contra as instabilidades que resultariam de alterações à legislação laboral necessárias para criar um pouco mais de justiça. O governador do Banco de Portugal já veio, esta semana, alimentar o peditório: só sabe olhar trabalho e salários como variável de ajustamento.

Senhor governador, preocupe-se com o que é fundamental na sua missão: a supervisão do sistema financeiro e a sua sustentabilidade. Se o fizer com eficácia dará saúde à economia, ajudará a reduzir encargos do Estado e, seguramente, contribuirá para reconstruir o tecido social.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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