Os pronunciamentos políticos e as polémicas, que nos últimos dias ocupam o espaço noticioso e redes sociais, em torno das nomeações de Ana Paula Vitorino para um organismo regulador e de Pedro Adão e Silva como executivo das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e das inadmissíveis informações dadas pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) a autoridades de outros países, misturam verdades com foguetório e chafurdice política.
Rola no ar uma nuvem, aparentemente sem nexo e sem programa, que de surpresa se pode abater sobre o país como dura tempestade.
O ato praticado pela CML merece pleno repúdio, uma investigação cuidada e apuramento pleno de responsabilidade. Rápida e serenamente há também que apurar se esta prática é um exclusivo desta Câmara. Quanto às nomeações, estamos perante situações distintas. O caso de Ana Paula Vitorino talvez não existisse se o Partido Socialista atuasse de forma menos autocentrada. Já as questões levantadas sobre a nomeação de Pedro Adão e Silva - insultado e achincalhado por formas miseráveis - são complexas e profundas.
Uma parte da Direita nunca digeriu o 25 de Abril. A Democracia permitiu-lhe espaço e foi conseguindo enquadrá-la, todavia, surgiram processos políticos que alteraram a situação. O avanço da extrema-direita e do fascismo permitiu que se fossem instalando no país forças com práticas organizativas e procedimentos muito ofensivos a partir do aproveitamento de défices democráticos, da manipulação ou falsidade de notícias, da exaltação das "virtudes" do autoritarismo, da diabolização de grupos de cidadãos, da glorificação do individualismo e da tribalização absoluta da política.
A nossa sociedade parece viver uma menor predisposição para o debate democrático. A pandemia veio acentuar este bloqueio e a comunicação social, onde proliferam comentadores cujo pensamento próprio é o disparate, a ignorância arrogante, ou a improvisação para parecer diferente, ajuda à "festa".
A Direita foi, no seu todo, arrastada para posições da extrema-direita por razões bem evidentes: i) os saudosos do 24 de abril são parte de si; ii) o programa neoliberal puro e duro, a que se entregou, tem de aniquilar o Estado Social de Direito Democrático, os direitos laborais e sociais fundamentais e entregar o máximo possível das funções que este desempenha a negócios privados; iii) tal programa não é exequível em democracia, como já se constatou em múltiplos países e recentemente nos EUA e no Brasil; iv) a Direita necessita, assim, de alcandorar-se ao poder e só depois apresentar o seu programa.
O guião que a Direita segue passa por colocar o debate político no estado de terra queimada, de inculcar na opinião pública a ideia de que quem exerce cargos públicos é potencialmente corrupto e está lá para enriquecer, apesar de saber bem que não é por aí que se enriquece (exceção a meia dúzia de corruptos). Quanto mais avançar esta campanha mais se esgota a disponibilidade de pessoas sérias, e com sentido ético, para desempenharem cargos de governação ou de serviço público.
Precisamos mesmo de uma grande evocação dos 50 anos do 25 de Abril, que seja a festa merecida, a memória necessária, a revitalização da Democracia e o compromisso com amplos setores da sociedade que continuam pobres e despidos do direito a terem direitos.