Portugal tem, sem dúvida, problemas novos decorrentes dos impactos da pandemia, mas estes apenas acrescentaram e diversificaram dimensão a bloqueios maiores que vinham de trás, resultantes de deficiente perfil da economia, de opções políticas erradas, de promiscuidade entre interesses públicos e privados. Será adequado relembrar que ninguém vence obstáculos se não os encarar com realismo e objetividade.
Quando vemos a postura sobranceira e provocatória dos grandes devedores do Novo Banco no desfile das audições (sobre aquele e outros processos) na Assembleia da República, temos de nos incomodar e preocupar: aqueles figurões fogem à verdade com todo o descaramento. Esse descaramento é facilitado porque o poder político se vem fragilizando, por vezes propositadamente.
Aquelas audições, exibidas como espetáculo nas televisões, mostram-nos os bandidos ao lado de quem preside às audições (simbolicamente tem muito significado) e os deputados num plano secundário. Vale a pena lembrar uma das quadras cantadas por Sérgio Godinho, Fausto, Adriano e Zeca Afonso no disco “Campolide” em 1979: “Quando se embebeda o pobre/Dizem, olha o borrachão/Quando se emborracha o rico/Acham graça ao figurão”. Neste caso é para não ficarmos pelo achar graça e exigirmos responsabilidade. Um país jamais será democrático e desenvolvido com uma economia – e até um mundo dos negócios – infestado daquele parasitismo e roubo.
Uma outra incomodidade que nos vai apoquentando é o facto de vermos um crescente número de Ministros, Secretários de Estado e outros atores do exercício do poder fazendo política como quem faz as “promoções do dia” dos supermercados. Concentram-se na produção de impactos públicos a partir da sua atividade pontual de cada dia e os grandes problemas das suas áreas de responsabilidade continuam a acumular-se. A possibilidade de fuga por entre os pingos da chuva, que os condicionalismos da pandemia têm propiciado, não dura sempre. O Primeiro Ministro tem a obrigação de saber que isto é taticismo a mais, e que pode acabar muito mal.
Estas incomodidades e preocupações ampliam-se quando se observa - como fez na passada segunda-feira o economista José Castro Caldas numa conferência organizada pelo IDEFF e pelo CoLABOR – que, entre 2010 e 2019, aumentou o emprego em setores com baixos salários e baixo potencial de crescimento de produtividade e cresceu o peso do imobiliário no Valor Acrescentado Bruto (VAB), resultando daí estagnação da produtividade e dos salários médios.
O potencial produtivo do país foi delapidado, nomeadamente pela redução do stock de capital e da população ativa. Isto significa que a estrutura da nossa economia continuou a fragilizar-se até à pandemia, apesar das alterações positivas introduzidas com a recuperação de emprego e a melhoria de rendimentos para parte significativa dos portugueses. Temos uma economia mantida à tona através de taxas de juro baixas que podem inverter-se a qualquer momento, por decisões do Banco Central a pretexto do aumento da inflação ou de outros fatores, com brutal impacto nas políticas orçamentais.
É um grave erro a governação do país estreitar-se no enfoque dos danos sofridos nos dois últimos anos e nas medidas ou meios “excecionais” de reparação, prosseguindo políticas sem rasgo, sem profundidade, sem robustez.