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19-02-2011        Público

A anunciada moção de censura que o Bloco de Esquerda (BE) irá apresentar no Parlamento no início de Março desencadeou toda uma série de reacções, quase todas de sentido crítico, incluindo da parte de algumas figuras destacadas do próprio BE, como Daniel Oliveira, dirigentes da mesa nacional e agora também o eurodeputado Rui Tavares.


O alcance desta polémica é discutível. Mas, pode ser muito útil para quem, como eu, entenda que a esquerda (e a política portuguesa em geral) precisa, por um lado, de sangue novo e de ideias novas a fim de reencontrar o seu caminho e dar um contributo mais efectivo para a democracia num cenário de "pós-crise";, e, por outro lado, que precisamos de uma cultura política mais dinâmica, fundada na coerência, na transparência e nos valores éticos, que permita recuperar a confiança dos cidadãos nas instituições. E o contributo do BE poderia (ou ainda poderá) ser enriquecedor a esse respeito, tal como o foi na introdução de uma nova linguagem, uma nova postura e de um estilo mais irreverente no quadro parlamentar e no debate público.


A discussão passa por clarificar algumas ambiguidades que subsistem entre as hostes bloquistas. A principal delas é a necessidade de se esclarecer o dilema entre uma opção pelo crescimento eleitoral ou a persistência numa postura enquistada de contrapoder. Não duvido que haja pontos de vista e argumentos fortes em favor de qualquer dessas opções. Do mesmo modo que a questão da moção é vista por uns à luz das suas consequências concretas no parlamento (ou é reprovada e acabou, ou cai o governo e o PSD vai para o poder), e por outros à luz de uma suposta coerência com os princípios e o discurso de crítica radical ao governo, a acção política do bloco pode ser pensada em termos do seu possível contributo para ajudar os portugueses e as instituições a traçar políticas e acções que impulsionem o país para o progresso ou antes para aumentar as bases de apoio e a mobilização dos sectores sociais descontentes contra o governo e o poder económico.


Com certeza que não tem de existir uma absoluta incompatibilidade entre cada uma dessas opções. E a prova disso é que o BE cresceu, ao mesmo tempo que se mantém como partido anti-sistema. Mas essa tendência tende a esgotar-se rapidamente. Daqui deriva, aliás, um outro dilema que o Bloco terá de resolver. É o que se inscreve no seu próprio "código genético";, isto é: ou o compromisso de partida entre as forças estalinistas (UDP) e trotsquistas (PSR) que o fundaram continua a ser iludido na base de um discurso radical que – embora sem o afirmar – induz os militantes e as bases na ideia de que o capitalismo está de rastos e, portanto, a prometida revolução vem aí (esta crença persiste de modo difuso entre muitos activistas e quadros do BE); ou pelo contrário o Bloco assume abertamente a ruptura com esse passado e recusa explicitamente a retórica revolucionária (que leva ao permanente exagero na culpabilização do Governo de tudo o que corre mal, onde tem aliás um concorrente de peso: o PCP).


O Bloco pode ter pensado que usando Manuel Alegre conseguia partir o PS ao meio e crescer por esse lado. A tentativa saiu frustrada. Mas voltar ao velho reduto não é solução. Eu entendo que, sendo verdade que o PS tem desbaratado larga parte do seu legado social-democrata, o cenário parece propício a que o BE se aproprie de parte desse legado e, com o descontentamento popular a crescer, consiga ampliar as suas bases e forçar o PS a compromissos favoráveis a uma política mais à esquerda. Isso requer uma outra atitude do BE, uma atitude mais humilde e de sentido patriótico. Mas a isso somam-se ainda duas dificuldades: romper com o dogmatismo interno; e arriscar uma colonização por parte do PS. Quererá o Bloco enfrentá-las ou prefere voltar ao sectarismo?


 
 
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Elísio Estanque