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08-05-2021        Jornal de Notícias

A Cimeira Social que ontem e hoje se realiza na cidade do Porto é, no plano simbólico, uma cimeira importante na União Europeia (UE), contudo, as suas metas, designadamente as três fundamentais, são apenas objetivos gerais. A sua concretização depende da vontade política e das condições concretas de cada país, e a bateria de métricas utilizada para a sua aferição, em grande medida, não respeita os diferentes níveis de desenvolvimento dos países, nem as suas diferenciadas culturas.

O "emprego para todos, no quadro de uma recuperação inclusiva" é mesmo um desígnio da UE? Onde estão os meios financeiros e as políticas solidárias para esse objetivo? A "bazuca europeia", concebida no impacto inicial da crise é insuficiente e tem ano e meio de atraso. A Cimeira passa por cima disso como gato por brasas e não há políticas novas para aquele desígnio.

As três grandes metas apresentadas nesta Cimeira consistem em a UE chegar a 2030 com: i) 78% da sua população, entre os 20 e os 64 anos, estar empregada; ii) 60% dos adultos participarem anualmente em ações de formação; iii) haver menos 15 milhões de pessoas em situação de pobreza e exclusão social, entre as quais 5 milhões de crianças.

Para haver emprego é preciso investimento, público e privado, e que se promova o crescimento económico fazendo chegar recursos às pessoas, às empresas e ao Estado para a missão de nos garantir direitos fundamentais. Impõe-se mesmo uma outra política orçamental, estímulos sérios ao investimento numa perspetiva de melhoria do perfil da economia e que não se continue a substituir salários por crédito "barato".

É indispensável apostar na educação e na formação, mas acabar com a mentira - que volta a esta Cimeira - de que basta as pessoas terem formação (sempre colocada na responsabilidade individual) para se colmatarem défices de desenvolvimento. Se não houver oferta de emprego, melhoria de salários, proteção social digna e serviços de saúde, habitação acessível e condições de mobilidade, o que temos é emigração e envelhecimento da sociedade. Repare-se que a nossa população ativa é atualmente (5 253 000 em 2019) inferior àquela que tínhamos em 2008 (5 535 000), o que significa que até podemos atingir uma elevada taxa de emprego e o país estar estruturalmente mais pobre.

Uma grande parte da pobreza são trabalhadores (e suas famílias) que auferem baixíssimos salários. Valorizou-se, e deve valorizar-se mais, o salário mínimo nacional (SMN), mas a fraca quantidade e qualidade da contratação coletiva e a aposta em setores de baixo valor acrescentado fazem com que, hoje, mais de 25% do total de trabalhadores recebam apenas o SMN (665 euros ilíquidos). Por outro lado, o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS) é tão baixo (438 euros - valor real inferior ao de 2007) que quem cai na malha de apoios que lhe estão associados fica automaticamente na pobreza profunda.

Na esfera do trabalho há uma inequívoca relação de interdependência entre o vínculo contratual (regulação laboral, onde a precariedade é um cancro), salários (dependentes da contratação coletiva e do SMN), e Segurança Social (contribuições, cujo volume resulta da quantidade e qualidade do emprego). É esta relação entre trabalho, emprego e proteção social que deve estar presente na definição das políticas de investimento, privado e público, e no desenho e implementação das políticas públicas.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva