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17-04-2021        Jornal de Notícias

Os estilhaços das bombas a que vou aludir têm efeitos demolidores: provocam falências, desemprego, pobreza e perigos para a democracia. A economia do nosso país e a vida de grande parte dos portugueses estão hoje muito dependentes de apoios temporários e precários, como é o caso das moratórias e do layoff. A crise que nos aprisiona é uma espécie de mãe de muitas outras crises, cheias de incertezas. Exigem-nos reflexão contínua a partir de vários ângulos.

Ao longo de 2020, a União Europeia, confirmando que o impossível acontece quando tem de ser, suspendeu as suas estúpidas regras orçamentais e aprovou financiamentos relativamente abundantes, a crédito e a fundo perdido. O Governo português, fiel ao ditado, quando a esmola é grande o pobre desconfia, abriu os cordões à bolsa orçamental de forma muito limitada, orçamentando pouco e executando ainda menos. O resultado foi a concessão de poucos apoios a fundo perdido e muitos sob a forma de crédito e moratórias. Portugal alcandorou-se ao pódio dos países que menos protegeram os cidadãos e as empresas. Chama-se a isto esconder bombas debaixo do tapete.

Se os calendários avançados pelo Governo se cumprirem, tudo converge para, no início do outono, começar a chegar um futuro que não desejamos. O layoff passará de extraordinário ao que normalmente é, a antecâmara de despedimentos, em particular coletivos, mesmo que debaixo dessa designação hipócrita do "mútuo acordo". Os sinais deste caminho já são visíveis, como o JN tem noticiado. As medidas de magro apoio a quem ficou sem rendimento serão levantadas; o mesmo se perspetiva para as moratórias e para o crédito, resultando daí exigências de reembolso e de pagamento de juros, por parte da Banca. Além disso, nada nos garante que, nessa altura, já exista a prometida bazuca e, muito menos, que estejam a aterrar nos aeroportos portugueses charters de turistas imunizados.

O grande desafio ao Governo e aos atores políticos e económicos parece simples, mas é exigente: ver o que é claro. A necessidade de abrir mais os cordões à bolsa servindo destinos corretos: i) prorrogar medidas de apoio extraordinário, com moratórias e créditos estendidos no tempo; ii) substituir o layoff, o máximo possível, por emprego apoiado e útil à sociedade, desde logo no setor público; iii) proteger melhor o desemprego e condicionar despedimentos; iv) suspender despejos em diversas situações; v) promover investimento na industria; vi) recentrar exportações e substituir importações; vi) reforçar medidas de combate à pobreza, no quadro novo que a crise coloca.

Ao longo do tempo, diferentes governos em diversas crises agiram no pressuposto de que os trabalhadores que ficam desempregados e os pequenos empresários falidos se vão desenrascando através de fuga para a economia informal, o que é sempre um grave erro. Contudo, dado o perfil atual e a desativação da nossa economia, esse fenómeno não acontecerá nas condições do passado. Por outro lado, como o rendimento mediano dos portugueses está em queda, isso levará a que muitos pobres não sejam contabilizados estatisticamente como tal.

Todos sabemos que o empobrecimento e o desespero são inimigos da democracia. Se, naquele contexto, emergir o sonho de uma maioria absoluta como garante da imposição de políticas, então estaremos perante o desastre perfeito.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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