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27-03-2021        Jornal de Notícias

Entramos num tempo em que toda a ação política, a definição das opções económicas, das estratégias de investimento, da utilização dos recursos públicos, da capacitação do Estado e da Administração Pública têm de colocar o emprego no centro das atenções e decisões. A quantidade e a qualidade do emprego que vamos ter, por muitos anos, será determinada por escolhas que estão em preparação.

Na atual crise económica, o desemprego não foi - e espera-se que não seja - utilizado como instrumento para a desvalorização salarial. As orientações comunitárias, a intervenção do Banco Central Europeu e, em concreto, as medidas de apoio às empresas e de proteção ao emprego (temerosas) adotadas pelo governo contiveram a explosão do desemprego e mitigaram sacrifícios de muitos milhares de famílias. Exige-se uma boa gestão destas políticas protecionistas: parte delas continua imprescindível; outras têm de ir sendo ajustadas; e o seu desarmar progressivo terá de ser cuidadoso. O recurso a moratórias era necessário, mas se o processo agora for mal gerido, os seus impactos provocarão graves problemas no setor financeiro e na habitação, tornarão num inferno a vida de centenas de milhares de famílias, matarão muitas empresas.

Entretanto, há outros desafios de alcance estratégico a considerar no combate às múltiplas vulnerabilidades que a pandemia evidenciou. Acelera-se a pressão para o retorno ao padrão de especialização da nossa economia assente no turismo que tínhamos antes da pandemia e em atividades conexas. Os grandes grupos desta área posicionam-se como destinatários privilegiados dos meios a disponibilizar, juram ser capazes de fazer a ressurreição do setor e de dar vitalidade às pequenas empresas. Mas, desiludam-se os milhares e milhares de pequenos empresários que atuavam neste setor, se ficarem à espera do que há de vir dos restos do banquete e não conseguirem apoios diretos para sobreviverem e recentrarem as suas atividades.

O país precisa de uma nova e qualificada especialização produtiva. As reestruturações de setores e empresas da “velha” economia devem ser incentivadas e apoiadas, mas com compromissos quanto ao emprego. Invista-se na chamada economia de transição, na descarbonização, mas garanta-se a (re)industrialização efetiva do país, o envolvimento de pequenas e médias empresas, a melhoria das mobilidades, o reforço da coesão territorial, a construção de vantagens para as populações. Se assim não se fizer, ficaremos ainda mais na periferia da industrialização europeia. Nestes processos, as opções sobre a reconversão de trabalhadores envolvidos e a criação de emprego qualificado têm de ser compromissos desde o início. O mesmo princípio deve ser assegurado na modernização da Administração Pública e no geral da economia de serviços.

Regulamente-se melhor o teletrabalho, enquanto recurso para a organização do trabalho e como modo da sua prestação, mas trave-se a ofensiva que visa criar uma nova forma de precariedade com eliminação de vínculos laborais, de componentes da remuneração, de responsabilidades do empregador quanto a instrumentos de trabalho, a direitos de proteção e segurança. O computador pode funcionar em diversificados lugares, de dia ou de noite, mas o ser humano não é uma máquina e deve salvaguardar os seus direitos, os da sua família e a sua cidadania. As precariedades podem “modernizar-se”, mas continuarão inimigas do emprego.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
economia    emprego    desemprego    pandemia