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25-03-2021        Público

A pressão é enorme e Berlim parece ceder. Pelo menos, o chefe do novo Museu Humboldt em Berlim, Hartmut Dorgerloh, anunciou segunda-feira que conta com a restituição dos bronzes de Benim à Nigéria em breve e que algumas das vitrinas do seu museu ficarão vazias quando for inaugurado este ano, reporta o jornal alemão Süddeutsche Zeitung de 23.03.21. Saqueados por britânicos durante a era colonial, os bronzes são considerados um dos registos mais relevantes da arte africana. Após anos de debate sobre os acervos de arte roubada nos museus europeus, Berlim está perante uma decisão que terá certamente repercussões para os museus e as memórias pós-coloniais na Europa.

Os planos iniciais eram bem diferentes, nomeadamente expor alguns dos 440 bronzes de Benim, que estão na posse do Museu Etnológico de Berlim, num espaço proeminente do novo Museu Humboldt, albergado no Stadtschloss, o palácio cuja reconstrução custou cerca de 700 milhões de euros e que foi inaugurado digitalmente no ano passado. Uma onda de polémica atingiu a iniciativa desde o início: ora pela origem prussiana do edifício, ora pela forma como lidaram com a herança cultural da RDA, ora pelas doações privadas, ora pela cruz que coroa agora o edifício. A intenção da ministra de Estado e da Cultura de expor objetos etnológicos (roubados) no novo Museu Humboldt para revestir o projeto de um verniz tolerante e cosmopolita foi a gota de água para a sociedade civil alemã. Servindo-se principalmente dos novos meios de comunicação social como plataforma, ela lançou-se numa acérrima crítica ao projeto e seus iniciadores que, por sua vez, se defendem nos principais jornais do país. Em Dezembro passado, antes da inauguração do Stadtschloss, Yusuf Tuggar, o embaixador da Nigéria em Berlim, reforçou o pedido de devolução dos bronzes via Twitter.

Os bronzes de Benim são um grupo de mais de 1000 painéis e figuras de latão e bronze, feitos pelo povo Edo do reino de Benim, hoje pertencente à Nigéria. Eles ornamentavam o palácio do soberano desde o século XVI, contêm episódios religiosos, narram cenas quotidianas e batalhas – incluindo até representações de portugueses armados. Os bronzes contribuíram fortemente para a valorização da arte africana na Europa na medida em que contrariavam a tese hegeliana de que África era um continente de primitivos e selvagens, isentos de civilização e história. Chegou-se mesmo a pôr a hipótese de que a sua técnica não podia ser de origem africana mas sim produto do contato com portugueses, uma tese já refutada.

A proveniência ilegal das peças está fora de questão: a maior parte foi saqueada por tropas britânicas na cidade de Benim em 1897, num ato de vingança pela insurreição africana contra a exploração colonial, e vendida em Londres a museus na Europa e EUA. Na senda imperial, as metrópoles lançaram-se numa corrida de fundações de museus e respetivas aquisições de objetos etnológicos por questões de prestígio. O maior número dos bronzes encontra-se hoje no Museu Britânico, seguido pelos museus na Alemanha e nos EUA. O Museu Etnológico em Berlim, cujo acervo está agora no centro da polémica, possui a segunda maior coleção mundial de bronzes.

A questão agora em cima da mesa é se é apropriado que um museu, planeado para ser um cartão de visita de uma Alemanha reunificada, seja inaugurado expondo arte brutalmente extraída ao continente africano e se o Museu Etnológico de Berlim pode continuar a ignorar os pedidos de restituição da Nigéria. Seria uma blamage para Berlim se isso acontecesse, afirma Bénédicte Savoy, historiadora de arte e conselheira de Macron em questões de restituição de obras de arte em entrevista à revista Der Spiegel desta semana. Dorgerloh deixa antever a possibilidade de, em vez disso, usar reproduções e encenar espaços vazios. Andreas Görgen, responsável pela pasta da Cultura no Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, já esteve na Nigéria para discutir as modalidades da restituição. Debate-se um trust independente que guardará os objetos de arte. Falta o conselho da fundação Preußischer Kulturbesitz, que supervisiona os acervos, tomar a decisão final. Seja como for, os museus em Munique, Hamburgo e Stuttgart, também eles possuidores de numerosos bronzes, estão atentos a ela – e certamente outros museus internacionais.


 
 
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Clara Ervedosa



 
temas
artes    cultura    história    património    África    museus