Em 11 de setembro de 2001 vimos atónitos, ainda não em direto pleno, um ataque focado no coração financeiro dos Estados Unidos da América (EUA) vindo do exterior. Vinte anos depois testemunhamos, desta vez em tempo real, um ataque ao coração político desse grande país, perpetrado não por um inimigo externo, mas sim por um grupo de "arruaceiros e terroristas domésticos" pertencentes a uma fação antidemocrática e com laivos fascistas.
A que assistimos, no passado dia 6, nos EUA? Ao fim de um episódio grotesco, ou ao emergir de um monstro que ensaiou um assalto ao poder de que sai derrotado, mas que permanecerá vivo e ativo nos seus propósitos? Como se extirpa o ódio que move as massas que irromperam no Capitólio ou apoiam esse ato?
Trump, figura humana e política escabrosa, ganhou notoriedade como "homem de negócios" (hoje comprovadamente um fiasco), associado a uma exposição pública promovida por grandes meios da Comunicação Social para quem vale tudo para obter audiências, que sobrevalorizam o poder económico e financeiro e se servem do aniquilamento de valores éticos e humanistas. O lamaçal daí resultante esconde os responsáveis pela degradação das condições de vida da esmagadora maioria do povo que vive do trabalho, e é um maná para religiosidades retrógradas e conceções fascistas da sociedade.
Alcandorado a comandante em chefe de arruaceiros, Trump tomou essa força para vergar e instrumentalizar o Partido Republicano já muito conservador, para encostar à parede o Partido Democrata, atolado pela ação das suas "elites" na submissão da democracia a poderes económico/financeiros obscuros. A partir de eleições tidas por democráticas, realizadas em 2016, o chefe dos arruaceiros passou a ser o presidente do Estado. Depois, foi reforçando o poder económico e financeiro; passou a usar mecanismos da democracia política contra a própria democracia política e social; atacou as instituições do Estado e as representações intermédias da sociedade sem as quais a democracia não sobrevive; combateu ferozmente "minorias" e "estrangeiros", responsabilizando-os pelos grandes problemas coletivos; promoveu o chauvinismo machista; equiparou o valor de análises suportadas no conhecimento científico e em representações coletivas testadas, ao valor de qualquer opinião não qualificada ou crença supersticiosa - a pseudoverdade dos cliques nas redes sociais.
Trump é a expressão mais especializada do ataque à verdade. Agora, importa procurar compreender como é que quase metade dos eleitores norte-americanos, após a evidência das suas "loucuras", apoiaram este homem nas últimas eleições e provavelmente continuarão a apoiar (este ou outro parecido), mesmo depois do ataque ao Capitólio. Nos EUA como em muitos outros países, movimentos como o que suporta Trump, quando em maré-cheia, pegam fogo aos parlamentos, por fora e por dentro.
Em Portugal também há dinâmicas retrógradas e fascistas perigosas. Nestas eleições presidenciais aí está um candidato trampista e bolsonarista sem pingo de dignidade, saltitando entre a sabujice e a sobranceria, intrujão sem limites. Os outros candidatos têm criado um cordão sanitário em volta dele, mas há Comunicação Social a promovê-lo, a Direita portuguesa tem-lhe dado acesso, e a nossa sociedade está marcada por muita desesperança.