É assustadora a pressão que se abate sobre a sociedade, tendente a transformar num novo normal as relações sociais, económicas e políticas resultantes das situações de exceção e das emergências declaradas a partir do pressuposto, por vezes falacioso, de que esse é caminho único nas respostas à pandemia. No mundo do trabalho, pode dizer-se que é porrada sobre porrada. Quando emergiu a atual crise estávamos muito longe de recuperar das perdas anteriores impostas pela troica e pelo governo PSD/CDS. Agora os problemas agravam-se aceleradamente.
A possibilidade dos portugueses terem um futuro melhor depende, em última instância, da defesa, criação, valorização e qualificação do trabalho e do emprego quando se adotam políticas económicas e se fazem opções de investimento; de se melhorar a organização e a retribuição do trabalho nos setores privado e público; de se introduzir justiça e democracia no sistema de relações laborais. A proteção social para todos e a existência de um sistema de segurança social propiciador de vida digna - dois pilares fundamentais para o desenvolvimento da sociedade – não sobrevivem sem trabalho com direitos e emprego valorizado.
Em 2020 a Segurança Social foi o principal suporte da aplicação do regime do layoff e sustentou medidas de apoio à família, a proteção no desemprego e os custos de centenas de milhares de baixas, ao mesmo tempo que, por efeito do aumento do desemprego e da menor criação de emprego, viu reduzidas as suas potenciais receitas. Há que proceder ao levantamento das implicações de todas as medidas adotadas, reparar danos e modernizar os serviços. Grande parte dessa reparação terá de ser suportada pelo Orçamento do Estado e já agora, também, pelos recursos da chamada bazuca europeia.
Na área do trabalho são urgentes algumas alterações legislativas cirúrgicas para reparar desequilíbrios e injustiças.
No combate â precariedade, seria importante criar um procedimento especial para apreciação célere dos contratos a termo e temporários que escamoteiam o termo ou ludibriam o fundamento, garantir direitos em matérias que estão vergonhosamente desprotegidas e agravar as contribuições dos empregadores para a segurança social.
Instituir sistemas de avaliação dos trabalhadores - negociados entre as partes e não impostos em regulamentos de forma unilateral e ocasional pelos patrões ou acionistas das empresas - que tenham consequências na sua valorização e na consagração de direitos e não sejam a cenoura para subjugação e aumento da exploração.
Na negociação coletiva, é preciso alterações em matérias pontuais que estão a impedir a sua efetividade e noutras que podem valorizá-la junto dos trabalhadores, e acabar com a caducidade unilateral dos contratos.
É imprescindível reforçar e modernizar a Autoridade para as Condições de Trabalho. Se foi possível modernizar os serviços das finanças e outros, porque não fazê-lo neste tão importante?
Há que clarificar e completar processos de controlo do teletrabalho e aplicar ao trabalho em plataformas digitais o regime de teletrabalho, com o seu quadro de direitos e garantias.
O custo financeiro destas medidas é residual e a sua implementação ajuda a modernizar as empresas e a Administração Pública. A tarefa exige trabalho de casa, coragem política e muito diálogo.