Portugal é incapaz de atingir a maior idade na sua condição de país membro da União Europeia (UE), ou é a própria União que, persistindo em regras e práticas desadequadas, impede países como o nosso de se tornarem adultos e independentes? Esta reflexão é crucial no contexto que estamos a viver, mesmo admitindo que a resposta da UE à atual crise é mais racional que a dada na crise anterior.
Um dos efeitos colaterais resultante da adesão de Portugal ao Mercado Comum foi a instalação de uma cultura de transferência/dependência dos “dinheiros europeus” que permeia o fundamental do tecido empresarial e o próprio Estado. Nessa cultura, o grande desígnio nacional resume-se a conseguir, em cada quadro comunitário, o maior montante possível de transferências da UE sejam quais forem as condições (por vezes pesadas) que lhe estão associadas.
Não era para ser assim. As transferências seriam supostamente temporárias e durariam apenas o tempo necessário para que o país convergisse com a média da União, em níveis de rendimento e bem-estar. Nessa perspetiva, o desígnio nacional consistia não em maximizar as transferências, mas sim em sermos capazes de as utilizar para passarmos, o mais rápido possível, a poder viver bem sem elas. Entretanto, a UE surge, recorrentemente, envolvida em negociações feitas à beira do abismo, apresentando-se como de vida ou de morte, quer para a própria União, quer para Estados membros que, como Portugal, se tornaram dependentes de transferências financeiras permanentes.
O novo episódio de negociação deste tipo foi aparentemente resolvido no Conselho Europeu da passada quinta feira. Todavia, não se conhecem os detalhes do compromisso e, infelizmente, a dimensão da crise sanitária e as consequências sociais e económicas provocadas pela pandemia vão exigir meios financeiros muito mais elevados que o previsto em julho. O tempo urge e a União acumula assuntos bloqueados: Brexit, relações com atores determinantes no novo cenário geopolítico e geoestratégico, acesso a tecnologias de ponta, migrações, gestão do dossier Turquia. Somos, assim, ameaçados com a materialização do pior de dois mundos: nem a União consegue decidir e fazer, nem os Estados nacionais, sobretudo os que prescindiram da sua moeda, dispõem de instrumentos de política que lhes permitam escolher e agir com a autonomia indispensável.
Em que assuntos a UE mostra capacidade de decisão? Naqueles que deveriam dizer respeito aos Estados, sobretudo quando se trata de países com frágil poder negocial: decidem resoluções bancárias ou restruturações de companhias aéreas e tudo o que for para os cidadãos pagarem. É uma divisão de tarefas que, mais cedo que tarde, os pagantes deixarão de tolerar. Sobretudo, a partir do momento em que as transferências tidas como compensatórias desapareçam.
Os portugueses precisam de ter como objetivo estratégico viver do trabalho verdadeiramente útil e produtivo que podem realizar, enquanto sociedade e país de adultos. E de dispensar quanto antes a dependência castradora da semanada europeia. Tal desafio é possível fazendo-se escolhas adequadas. Em qualquer setor tradicional ou em novas áreas da economia e nos serviços públicos, não basta implementar negócios lucrativos, é preciso que as opções tomadas sirvam o desenvolvimento da sociedade.