Na passada quinta-feira, quando participava na conferência "As plataformas digitais e o futuro do trabalho", organizado pelo CoLABOR, com apoio do escritório de Lisboa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), veio-me à memória parte da letra daquela bela canção "O postal dos Correios" do Rio Grande, da autoria de João Monge e tão bem interpretada, em 1996, por Rui Veloso e Tim: "A Laurinda faz vestidos por medida, O rapaz estuda nos computadores, Dizem que é um emprego com saída".
Na conferência 1 (Consultar colabor.pt) foi feita a apresentação da versão portuguesa do relatório da OIT, que tem o mesmo título da conferência e o subtítulo: "Promover o trabalho digno no mundo digital". Nela participaram investigadores desta temática, especialistas que procuram respostas para políticas públicas sobre o futuro do trabalho, bem como um trabalhador e um gestor de uma plataforma de transportes. Uma Rani, investigadora da OIT e uma das autoras do relatório trouxe-nos informação qualificada sobre o universo das plataformas. Mostrou-nos como a forma de se organizarem lhes permite pegar num trabalho e decompô-lo numa multiplicidade de tarefas e infinidade de microtarefas, executadas por milhões e milhões de cidadãos trabalhadores que estudaram nos computadores.
O relatório parte da observação da realidade em 75 países e traz-nos factos como estes: i) perto de 67% dos entrevistados têm diploma universitário; ii) em média as pessoas auferem 3,31 dólares por hora (2,81 euros), quando se contabiliza o trabalho pago e o não pago iii) as mulheres são apenas 37% do conjunto das pessoas envolvidas; iv) metade dos trabalhadores têm neste trabalho a primeira fonte do seu rendimento; v) 88% precisam de trabalhar mais mas não conseguem; vi) as mesmas tarefas são pagas com valores diferentes conforme o país em que são efetuadas, sempre com os mais pobres em desvantagem.
Muitas vezes, estes trabalhadores precisam de estar conectados todo o dia à espera de uma oportunidade para ganhar uns cêntimos; as condições da prestação do trabalho são definidas unilateralmente pelas plataformas; há imensas situações de não pagamento das tarefas executadas, porque a entidade contratante pode invocar que o trabalho foi mal feito.
Naquela conferência, Ana Alves da Silva, que vem trabalhando para uma investigação aplicada sobre o teletrabalho, o digital e seus impactos sociais afirmou, com fundamentos, que "a plataformização" tem "como principal elemento distintivo a casualização total dos mercados de trabalho". A "relação com os trabalhadores, diretos e indiretos" é estabelecida em meros encontros casuais e furtuitos no espaço digital".
Sem dúvida, estamos perante grandes mudanças no mundo do trabalho, contudo nem sempre é fácil distinguir as velharias daquilo que de facto é novo. Os países não podem dispensar sistemas de regulamentação de trabalho justos, ancorados no Direito do Trabalho e em princípios éticos. As propaladas novas oportunidades têm muito de encantatório. Há hoje centenas de milhões de trabalhadores a quem não é dada uma oportunidade, não porque seja impossível, mas sim porque são dadas muitas oportunidades ao egoísmo que forma fortunas indecorosas.
Grande parte do emprego dos computadores é emprego com saída, todavia está a propiciar pouco futuro e está longe de ser trabalho digno.