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07-11-2020        Jornal de Notícias

No princípio do século XX, os sindicalistas e ativistas operários tinham por prática homenagear os seus mais destacados antecessores. Através dessas homenagens assumiam-se herdeiros do seu exemplo pessoal, mas também dos significados mais relevantes das lutas e da ação coletiva em que aqueles haviam participado.

No passado dia 30 morreu Luís Kalidás Barreto, um lúcido e prestigiado sindicalista, de uma geração que protagonizou profundos processos transformadores da sociedade portuguesa, desde o final da década de sessenta. Em primeiro lugar, essa geração embrenhou-se, generosamente, na luta contra o sindicalismo corporativo integrando grupos de democratas que conquistaram dezenas de direções sindicais entre 1966 e Abril de 1974. Dessa ação resultou uma extraordinária agenda sindical e os objetivos e programa que deram origem, em outubro de 1970, à criação da Intersindical, ao seu crescimento orgânico e a uma influência crescente até ao 25 de Abril, fator determinante para o rumo que a Revolução tomou.

Kalidás Barreto foi eleito dirigente do Sindicato dos Lanifícios de Castanheira de Pêra em 1971. Nessa condição participou em importantes reuniões dos sindicatos do amplo setor têxtil (inclui têxteis, lanifícios, vestuário, etc) onde ativistas católicos, comunistas e outros tinham, por essa altura, conquistado direções, nomeadamente, no Minho, na Covilhã, na Guarda, em Setúbal e em Lisboa. Participou depois em reuniões intersindicais.

O Luís era filho de um brilhante jovem intelectual português de origem goesa, Adeodato Barreto, dirigente estudantil em Coimbra, impedido de exercer a sua profissão pelo fascismo, amado pelos mineiros de Aljustrel, que morreu aos 34 anos. Esta origem marcou-o. Uma vez disse-me, “quando estou com dúvidas fortes vou ao encontro do meu pai e sei para que lado tenho de cair”. A vida nunca é feita em linha reta.  E o Luís, saiu dos apertos sempre para o lado certo: o dos compromissos com os trabalhadores, com os mais desprotegidos, com o povo, com as liberdades e a democracia.

Logo em 71/72 a União Nacional montou-lhe uma armadilha que o deixou no desemprego, sem meios para sustentar a família. A PIDE acusava-o de ser “sindicalista defensor do sindicalismo ativo”. Sobre esta acusação ria-se e interrogava: “mas há sindicalismo não ativo?” Enquanto militante do Partido Socialista e seu deputado constituinte, eleito pelo círculo de Leiria, esteve ao lado de Mário Soares e Salgado Zenha, em julho de 1975, na manifestação na fonte luminosa contra o rumo da revolução e, em particular, de ataque ao Partido Comunista Português. Sendo contra a unicidade foi defensor acérrimo da unidade sindical, do diálogo aberto e franco e do trabalho conjunto, desde logo com os comunistas.

Kalidás Barreto foi um elemento influente na reorganização sindical do setor têxtil, ajudando à criação, em 1976, da Federação Sindical do Setor (atual FESETE) - exemplo de estrutura unitária - que veio a desenvolver uma atividade da maior influência na vida da CGTP-IN na contratação coletiva, nas lutas pela igualdade, pelas 40 horas semanais, no combate ao trabalho infantil, ou na negociação de planos de desenvolvimento em várias regiões do país, com destaque para o Vale do Ave.

Kalidás Barreto deu um contributo parcelar determinante, juntamente com Manuel Lopes, para o êxito do importantíssimo II Congresso da Intersindical – o Congresso de Todos os Sindicatos. Depois, foi membro da Comissão Executiva da CGTP-IN durante quase 20 anos, um construtor e executor do sindicalismo reivindicativo, de diálogo construtivo e proponente que a Central Sindical havia de assumir.

A atividade sindical que desenvolveu torna-o um dos grandes obreiros da CGTP-IN, nos planos concetual, orgânico e programático. Querido e estimado Luís, o teu exemplo não será esquecido.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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