No contexto geral que vivemos e com os efeitos da pandemia a agravarem-se, o processo de discussão e aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2021 e em particular o seu conteúdo, não parecem estar à altura dos problemas com que nos deparamos para tratar da saúde das pessoas, da economia, da sociedade e do país.
Não é estranho o surgimento de contradições políticas e de medos, ou o aumento de preocupações das pessoas: por um lado, o país traz do passado défices estruturais na matriz de desenvolvimento; por outro lado, nem o Governo, nem qualquer força política, e muito menos os cidadãos podiam prever as implicações da pandemia e os seus brutais efeitos económicos e sociais, ou até alterações que estão a acontecer no plano político em todas as escalas. Entretanto, sabemos que as audiências de grandes meios de comunicação se alimentam deste lamaçal tão propício à engorda de projetos políticos antidemocráticos.
Quando a realidade é tão dura como aquela que vamos enfrentar no próximo ano, de que serve negar os problemas evitando encará-los, ou o refúgio em slogans primários tipo "vai ficar tudo bem"? Os problemas resolvem-se quando se enfrentam. Os medos vencem-se quando se assumem e se adotam comportamentos ofensivos que lhes vão fechando portas de entrada.
Na segunda guerra mundial, Neville Chamberlain, ao ignorar crimes da besta fascista alemã para credibilizar políticas de apaziguamento nada resolveu, mas Winston Churchill, ao encarar a realidade e acelerar a produção de aviões e armas de guerra para confrontar as tropas de Hitler, colocou a Inglaterra a dar um importante contributo para a sua derrota. É claro que houve sacrifício e sofrimento, mas era o caminho que podia evitar um desastre bem maior.
No ano passado, António Costa e o Partido Socialista (PS), embora afirmando que desejavam prosseguir os entendimentos que tinham ancorado a solução política da legislatura anterior, optaram por uma governação assente em alianças pontuais à Esquerda e à Direita. No quadro atual ela é de todo inviável. Para enfrentar velhos problemas estruturais da economia, da organização e eficácia da Administração Pública e os impactos da pandemia, o Governo precisa de um apoio político que não pactue com políticas de encanar a perna à rã e o ajude a uma posição mais ofensiva no quadro da União Europeia. A governação não pode ficar tolhida pelo medo da fatura que virá dessas bandas.
A defesa do SNS não passa por leituras diferentes de números para fugir à realidade. É imprescindível investimento em recursos humanos e técnicos e responsabilizar alguns atores do setor privado, cuja postura faz lembrar estratégias de repteis repelentes pela frieza do seu sangue.
O Governo precisa de apoio para aprovação do OE (que deve equilibrar proteção social com políticas geradoras de emprego e de valorização salarial) mas também para todas as revisões que vai ter de lhe introduzir. Isso impõe compromissos para negociações estratégicas com os parceiros e jamais encostá-los à parede.
As forças políticas à Esquerda do PS têm de fazer cedências, mas não podem fazê-lo abdicando de valores, da capacidade de agir em favor dos desprotegidos e da afirmação do valor e da dignidade do trabalho sob pena de serem liquidadas, o que tornaria a sociedade bem mais doente.