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24-10-2020        Jornal de Notícias

Taxas de desemprego de grande dimensão transportam sempre uma forte tendência para a desvalorização salarial. Essa desvalorização e a persistência de desemprego transformam-se em profunda e prolongada crise, em entrave à recuperação económica, e afundam o patamar de desenvolvimento do país.

Quando observamos a evolução do peso dos rendimentos do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB) constata-se uma queda da parte do trabalho, quase contínua, durante duas décadas. Em 2001 esse peso era de 60% e em 2019 de 51%. O enfraquecimento acelerado da negociação coletiva por efeito de disposições introduzidas no Código do Trabalho - em vigor desde 2003 - e o processo de financeirização da economia com alteração do seu padrão de especialização, constituíram causas fundamentais daquele rombo na fatia da riqueza a que os trabalhadores deviam ter direito. Está aí, também, uma fonte das desigualdades que marcam a sociedade portuguesa.

Só o Governo PSD/CDS, através da aplicação das receitas de desvalorização interna recomendadas pela troika e ampliadas pelo próprio Governo, impôs uma perda superior a cinco pontos percentuais entre 2010 (56,5) e 2015 (51,5). Na legislatura seguinte o Governo do Partido Socialista (PS) travou a queda, mas não encetou a recuperação que se impunha, dado que, em 2019, a parte do trabalho era de 51,44%.

No contexto em que estamos, ou se segue uma trajetória de coerência e articulação entre as políticas sociais (protegendo todos) e as políticas de emprego, evitando a todo o custo o agravamento do desemprego e, concomitantemente, impulsionando a criação de emprego e a melhoria da sua qualidade, ou marcharemos para o retrocesso. O Governo teima em adotar um rumo que não faz essa necessária articulação: afirma preocupações sociais e adota algumas medidas reparadoras, mas não prepara barreiras que impeçam uma nova vaga de desvalorização salarial.

As forças económicas conservadoras e da Direita ressuscitam as velhas teses de que o importante é criar emprego independentemente da sua qualidade, e que isso se garante entregando dinheiro aos acionistas das empresas. As políticas de baixos salários são apresentadas como inevitáveis e necessárias. Recusam contrapartidas claras e controláveis, designadamente pela assunção de compromissos negociados com os trabalhadores e os seus sindicatos, e muitos ainda pregam a necessidade de se atrair investimento estrangeiro na base da oferta de mão de obra barata.

Aí está a reposição da cartilha da troika, que se mostrou profundamente injusta e estéril. Acresce que esta crise pandémica afeta profundamente não só a procura interna como, de igual modo, a procura externa. Este facto e a constatação de que a pobreza é impeditiva do desenvolvimento, reforçam a necessidade de um forte combate à desvalorização salarial.

O Governo e o PS andam mal quando proclamam que os seus interlocutores preferenciais são os partidos à sua Esquerda e, depois, afunilam toda a discussão de políticas com eles em torno do Orçamento, e quando acantonam as suas propostas, nas áreas laborais e sociais, num beco onde dizem não haver razoabilidade e bom senso.

A proteção social tem mesmo de ser articulada com políticas quantitativas e qualitativas de emprego e de valorização salarial.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
economia    emprego    desemprego    pib    salário