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22-08-2020        Jornal de Notícias

Portugal carece de indústria. A indústria é garante de criação de emprego e, sem dúvida, o setor que mais positivamente puxa pela sua qualidade e melhor o consegue fixar. Precisamos de implementar reestruturações e reconversões de empresas e setores económicos, de desenvolver produtos com maior valor acrescentado e de criar novas componentes de economia industrial. O problema não se resolve apenas com atração de investimento estrangeiro. É indispensável planificação que favoreça a utilização de infraestruturas públicas, as potencialidades regionais e locais, e o pleno aproveitamento das formações e qualificações que somos capazes de desenvolver. É possível e indispensável derrubar barreiras que oneram os investimentos e, em particular, reduzir custos energéticos.

A Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) aprovada por resolução do Conselho de Ministros de 30 de julho, tem por objetivo a criação de um cluster económico em torno do hidrogénio verde. Trata-se, como é do conhecimento público, de uma iniciativa de política industrial lançada pela União Europeia (UE) que pretende mobilizar €430 mil milhões, dos quais €145 mil milhões com origem em instituições públicas. Mas, como sabemos, os incentivos aos privados, para que estes se mobilizem, por vezes subvertem as contabilidades de partida e geram processos de saque ao Estado, aos bolsos dos contribuintes.

Ao colocar o nosso país no projeto, o Governo assume o objetivo de aumentar o peso da energia de fontes renováveis incorporada no consumo final, reduzindo a dependência energética e toma três desafios significativos: coloca a reconversão da central termoeléctrica de Sines como o projeto-âncora da EN-H2; propõe-se proceder à descarbonização do setor dos transportes pesados e da indústria; avança com a criação de um laboratório colaborativo do hidrogénio virado para consórcios internacionais de investigação e para a formação de quadros altamente qualificados.

Para que a EN-H2 se converta numa oportunidade e caso de sucesso, o Governo tem, entretanto, de assumir sérias precauções: i) não se deixar capturar pelos interesses definidos pela Comissão Europeia, assumindo as nossas necessidades socioeconómicas, a agenda e os interesses nacionais; ii) o Estado não pode ficar remetido a um papel de mero intermediário e promotor da iniciativa privada; iii) é preciso assegurar que os objetivos de lucro imediato de privados não acabem por favorecer a produção para mercados externos, pois assim os consumidores e contribuintes portugueses seriam postos a pagar a transição energética dos países importadores do nosso hidrogénio verde e não a nossa; iv) criar mecanismos de remuneração justa de capitais e condicionar o acesso a fundos públicos ao respeito por uma ética social que impeça o recurso a paraísos fiscais, a especulação e a elisão fiscal, bem como fossos salariais desmesurados, ou desigualdade salarial entre géneros.

O trabalho precário e a existência de rendas desmedidas que hoje se praticam no setor energético não podem ter cabimento nestes novos projetos. Os compromissos têm de ser com a criação de emprego qualificado e de qualidade. No imediato, há que garantir o emprego, e a adequada requalificação, de todos os trabalhadores que têm vínculo com a central de Sines.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva